segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A deusa menina



Coré (ou Perséfone), a puella,é a eterna menina no panteão dos deuses gregos. Filha de Deméter,  colhe flores no jardim... mas a imagem de inocência  é interrompida ao ser raptada pelo deus Hades, o senhor do mundo dos mortos. Lá, no mundo inferior, a menina se transforma em mulher, rainha dos mortos, não mais Coré, não mais puella, agora é a soberana do sombrio reino dos mortos.





Mas uma parte do ano, Perséfone retorna à terra, é quando se faz primavera, e sua mãe, feliz abençoa os campos que florescem. Todo ano o ciclo se repete, e Perséfone transita entre os dois mundos: o superior e o inferior. Imagem da mulher capaz de circular entre o mundo real e o imaginário: intuitiva, sensível  médium  curadora, terapeuta. Sabe dos mistérios. Sabe da vida e da morte, da alegria e do sofrimento.


Mas a imagem da menina me captura hoje, Coré, inocente que brinca com as outras crianças.

Silvana Parisi

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

EU SOU




Se soubéssemos o quanto é sério, profundo e complexo o Eu Sou, nós o olharíamos com mais atenção, carinho e respeito!

Eu Sou passa a existir no dia em que somos gerados, por um pai e uma mãe, e depois de nove meses, ele chega em seu novo lar, aqui no planeta Terra.

Nasceu o Eu Sou, uma criança, que recebe um nome que vai identifica-la por uma vida inteira, até a sua morte, e eu aqui a denominei Maria.

A primeira comunicação da criança é através do choro, gestos, até pronunciar suas primeiras palavras. 
Quando ela pronuncia pela primeira vez EU QUERO e EU SOU, ocorre a descoberta de seu próprio corpo, e ela então, toma consciência de sua existência na Terra.

Maria agora sabe que tem uma família, pais, irmãos e demais parentes, e que também tem uma personalidade, com vontades e seus próprios quereres.

Aos poucos, ela vai ficar sabendo, que suas vontades e quereres próprios, nem sempre prevalecerão, vão ser enquadrados dentro de padrões de comportamento moral, religioso, cultural, padrão de disciplina de educação que sua família e a sociedade lhe imporá.

Certamente Maria, muitas vezes, vai se rebelar e ceder, mas também vai se rebelar e brigar pela sua forma de pensar.

E junto a todas as informações que Maria receberá em seus primeiros anos de vida, surge uma, que é a mais definitiva delas – Você tem que ser boazinha, e sempre servir os outros, só pessoas assim vão ser queridas e respeitadas por todos.

Pronto, Maria recebeu sua sentença, por mais que ela queira fugir ela não vai conseguir se esconder, porque todas as demais pessoas de seu convívio sofrem do mesmo mal.

E como ela é muito pequena, não percebe ainda que, o que ela trouxe na bagagem, suas memórias, que serão acrescidas aos fatos vividos agora como Maria, podem se perder se ela não ficar atenta.

Maria começa a ficar dividida entre sua bagagem de vida trazida ao nascer e os outros ensinamentos que está recebendo à medida que vai crescendo.

Acredito que a grande maioria das crianças não chegou a pronunciar EU QUERO e EU SOU, e passam um bom tempo da vida, se não uma vida inteira, procurando por elas mesmas, pelo seu Eu Sou, seu Eu Original, do jeito que chegou ao nascer.

Não devemos esquecer jamais, e pensar nisso sempre. EU SOU o que EU SOU, e não aquilo que gostaria de ser. Corremos o risco de passar uma vida inteira buscando aquilo que não sou, e esquecer nosso propósito de vida!

Mas o tempo todo de nossa existência, outro lado se contrapõe a esse, um lado positivo e benfeitor, que nos ajuda a discernir e definir parâmetros e que não deixam nossas memórias caírem no esquecimento.
Em algum momento retomamos a nossa consciência, e, aos poucos reunimos novamente, todos aqueles pedaços que ficaram à margem da estrada.

Cabe a nós, cuidarmos e curarmos cada um, e estando de posse deles, estamos de posse mais uma vez de nosso Eu Sou, de posse de nossa vida, de posse de nós mesmos.

Aí sim, Maria poderá entrar na carruagem, pegar as rédeas de sua vida, e conduzi-la conforme suas escolhas!


Carmen Quartin

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Eu, pura aporia



Creio piamente
que nada é por acaso
e que tudo é contingente.
Divido-me o tempo todo
entre não acreditar em nada
e acreditar o tempo todo em tudo.
Zombo da existência de Deus
e lhe peço, em oração,
que me devolva a fé.
Esquerda e direita
me parecem igualmente
sedutoras e perigosas.
Estanco na esquina,
convictamente equivocada.
Noite e dia
em pacífica desordem
habitam em mim,
e constituem o que sou:
pura aporia.

Analú

Postado por Ana Lucia Sorrentino no Reencontrando sua alma  em  9/04/2012 09:52:00 PM

domingo, 3 de junho de 2012

ECLIPSE LUNAR – TRÂNSITO DE VÊNUS – 4 E 5 DE JUNHO


Um par de eventos celestiais raros ocorrerá nesta semana. O Eclipse Lunar em Sagitário será na segunda-feira, 4 de junho às 4 da manhã. Ele está diretamente relacionado com o Eclipse Solar do dia 20 de maio passado.

Esta combinação de eclipses está relacionada com a sua saúde mental, com o que você pensa, com o quanto você está aberto para novas ideias e modos de perceber as situações da sua vida. Durante este período, considere novas opções, observe o que acontece com você, ouça cuidadosamente os outros e não presuma que você sabe em que direção as coisas estão se encaminhando neste momento – algo novo e estimulante pode estar bem diante de você!
O Trânsito de Vênus – mais raro ainda! – ocorrerá na terça-feira, 5 de junho, às 6 horas da tarde (horário de verão na região do Pacífico nos EUA). Muitos sentem que esta é uma influência extremamente mística, que pode conectar sua mente com seu coração de maneiras novas e profundas. Mais uma vez, há mais ênfase em Gêmeos (está ocorrendo em Gêmeos) e na sua saúde mental e estado de espírito.
Para se sintonizar com estas energias místicas de um modo consciente durante este evento, abra a sua mente para receber a compaixão das profundezas do seu coração, e abra seu coração para receber a sabedoria da sua mente. Uma vez que elas estejam ligadas mais diretamente, você será mais capaz de seguir adiante em sua vida com sua mente e seu coração (seus pensamentos e sentimentos) em sincronia.

Por Elizabeth Jones, 2 de junho de 2012
Extraído de:
Tradução de Vera Corrêa veracorrea46@ig.com.br

sábado, 12 de maio de 2012

MULHERES LEITORAS... minha mãe

Sou uma ilha rodeada por um mar de histórias e livros por
todos os lados: ontem, hoje e acho, parece que sempre!
Ana Lúcia Brandão


Para mim, a imagem de uma mulher com um livro entre as mãos foi uma constante na minha infância, adolescência e vida adulta. Minha mãe foi uma leitora voraz. Nas fases em que a vida não lhe permitia sonhar, os livros entravam de sola no cotidiano dela. Já que abrira mão de uma vida profissional, caminho aberto por uma bolsa de estudos na Inglaterra, em troca do amor de meu pai e da vida familiar, a leitura exerceu o papel de expandir seu universo de vida e de alimentar novos sonhos. Quanto à sua forte relação com a Arte, Arquitetura, Decoração e o de mulher moderna, ela foi resultado de uma mistura da cultura francesa com a dos filmes americanos dos anos 50 e a revista Mac Calls, que se não apresentava contos de Poe como em “A estação”, apresentava uma seção com contos de Hemingway...

Passaram pelas mãos de Miss Margareth, mais de uma vez, a obra de Joseph Conrad, Eça de Queiroz, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Herman Hesse, Fernando Sabino, Fernando Namora, Agatha Christie, Miguel Torga, James Michener, Octávio Paz e tantos outros. O problema era que quando ela se voltava para um autor, ela viciava e não sossegava enquanto não lia a obra toda. Mas essa também foi mania do meu pai. Talvez essa tenha sido uma mania da geração entre guerras, do século XX, em Sampa.
Na minha família nuclear ler era como respirar: uma necessidade primordial. A leitura sempre foi motivo de conversas com novos pontos de vista e interesses inusitados – novos horizontes. Na geração de minha mãe ler foi também uma forma de participação social e educação familiar, ia da bula de remédio, passava pelo gibi do Axterix e ia até “Guerra e Paz”, aquele bitelão escrito pelo Tolstoi. Ela fez parte de uma entre as várias gerações que estudaram no Caetano de Campos, matavam aula para assistir o novo filme do Hitchcock, rondavam a Biblioteca Mário de Andrade e tomavam sorvete na Vienense ou chá no Mappin. Fruir a leitura, o cinema, a música clássica e popular, ver uma boa exposição de arte eram exercícios constantes, assim como hoje se faz aula de aeróbica. Trocavam-se impressões de leituras. Os livros rodavam pelo restante da família e entre amigos. É bom lembrar que só existia o rádio como meio de comunicação. A televisão não existia nem em sonhos. As noites eram feitas para se ler, jogar cartas com os amigos ou ir à boate. Sair com amigos só nos finais de semana. Esse foi o tempo de formação de vida de meus pais. A curiosidade pelo mundo ao redor e por diferentes línguas e culturas foi uma constante na vida deles. E uma leitura sempre aberta ao novo, ao desafiante, ao desconhecido que se considerado bom era imediatamente incorporado – de Sidarta à ginástica sueca.
Ler outras línguas? Fácil, estudava-se um pouco a língua, comprava-se livros, assistia-se aos filmes e pronto, mais uma língua e cultura incorporadas. Minha mãe veio de uma família numerosa, toda feita de leitores. Gente falante, sempre trocando impressões de leitura e de mundo. A curiosidade cutucante de Emília do Sítio do Picapau Amarelo sempre esteve entre eles. As expressões lobateadas como “torneirinha de asneiras” e outras tantas faziam parte das gírias e usos da linguagem falada.
Ao esculpir minha mãe leitora, tenho de confessar que houve um gênero que minha mãe foi muito chegada, a poesia. Que eu me lembre (e memória é uma coisa puladinha, como dizia Sylvia Orthof...) houve só dois únicos poetas lidos por ela na forma de livro: Fernando Pessoa e Pablo Neruda. E olha que ela foi musa de um poeta na sua adolescência... o poeta amigo de seu irmão Paulo, Paulo Bomfim. E o curioso é que a Poesia foi um gênero que ela leu com ela mesma, ensimesmada, no diálogo com seus pensamentos e sentimentos. Ah, essa menina Margarida...
Já a música de Edith Piaf, Frank Sinatra, Beatles e Gilbert Beacaut contavam com o coro dela na hora de cantar. Eu adolescente, morria de vergonha. Que bobagem. Com o tempo, fui descobrir que minha mãe era mesmo “um ser narrativo” - as músicas cantadas por intérpretes, todas - eram histórias de amor, correspondidas ou não. Ali estava a expressão do seu lado passional, porque nos demais ela foi bem enigmática, um ser talhado para ser mesmo “musa” de um poeta.
O que ela e meu pai nunca imaginariam era que esse ambiente me levaria a ler muito e a trilhar o universo da leitura e da literatura como parte fundamental da minha vida profissional. Para eles foi um susto, para mim, algo natural como as águas de um rio que deságua no mar. O meu avô materno, que passou a vida inteira dando aulas de Língua e Literatura, já aposentado e curtindo um pijama, adorou. Afinal entre tantos netos, só uma enveredou para o seu lado: contar histórias, ler histórias, comentar histórias, assistir à histórias.

Um dia, entre livros lidos e livros para ler, minha mãe pegou um livro chamado “Zigue-Zague” da Fanny Abramovich que eu estava lendo para o trabalho. Ela conhecia a Fanny da televisão, do jornal e de alguns comentários meus. Aí, por coincidência, a Fanny ligou em casa. Ah, não teve jeito, mamãe rasgou a seda para o livro dela. E a Fanny, claro, gostou um bocado. E como essa investigação parte do mundo, mas vai navegar mundo afora, eu escolhi a Fanny Abramovitch como primeira leitora a ser entrevistada pelo Mulheres leitoras. E entrevista feita ao vivo e a cores, com tiques, toques, altos e baixos. Por quê ela primeiro? Porque minha mãe leu Fanny e Sylvia Orthof com gosto (uma dupla de riso impagável, tipo “Gordo e Magro”, sabem?), o mundo anda cabisbaixo e Fanny que foi grande parceira de pensações da Sylvia Orthof; é alto astral, cutuca pensamentos e desarma armadilhas caretas. Portanto, aguardem. Fanny Abramovitch será a primeira entrevista das muitas que o “Mulheres Leitoras” fará.

Vamos navegar nos mares nunca dantes navegados de Fanny.
Ana Lúcia Brandão

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Um passe-livre pras mães nesse domingo


          
           
            Domingo que vem é dia das mães.
            Fiquei pensando que presente eu poderia dar a todas as mães, sem muito risco de não agradar... Difícil, hein...
            Mas... então pensei que, talvez, o melhor presente fosse um passe-livre.
Algo que pudesse libertá-las, que fosse por apenas um dia, melhor ainda se por uma semana ou mais, quem sabe por toda a vida, da mistificação da figura materna.
            Que as liberasse, por algum tempo, de tudo o que elas escutaram sobre ser mãe e que permitisse que elas voltassem a ser simplesmente seres humanos. Já imaginou que viagem?
            Que pudessem fazer como os filhos, e se espalhar como água. Acordar e sair pra trabalhar sem se preocupar com arrumar as camas ou deixar a cozinha limpa...  Ir e vir livremente, sem dizer pra onde, nem com quem. Desligar o celular e deixar cada um por sua conta.
            Voltar pra casa sem ter que pensar na fome de ninguém. Passar numa lanchonete, se fartar, comer uma bela sobremesa e nem pensar em levar um pedacinho pra casa. E sem culpa, olha só, sem culpa...
            Aliás... a libertação da culpa seria o brinde maior desse passe. A culpa, essa malvada...
            Que as mães pudessem, por um tempinho, amar sem tanta responsabilidade. Que simplesmente amassem, e conseguissem não se sentir o motivo de todo bem ou todo mal que acomete a seus filhos. Porque não são mesmo...
            Esse passe-livre poderia levá-las prum mundo em que todos os clichês já tivessem sido esquecidos. Em que ser mãe não fosse padecer no paraíso, mas curtir aqui na Terra mesmo. Em que o amor de mãe fosse, sim, condicional, porque o amor incondicional pode criar monstrinhos, e isso é perigoso. Um mundo em que mães têm vida sexual, amigos, segredos, privacidade... Um mundo igualzinho ao de todo mundo, onde são permitidas pequenas transgressões, pitadas de irresponsabilidade, esquecimentos, porta do quarto trancada... onde, em vez da mãe ter obrigação de cuidar de todo mundo, todo mundo tivesse obrigação de cuidar de todo mundo, inclusive da mãe. Coisa booa!
            Brincadeiras à parte, eu quero mesmo é dar os parabéns a todas as mães. De qualquer sexo ou idade. Mães totalmente padrão ou não. Mães biológicas e adotivas. Pais que se viram pra ser também mães, quando é preciso. Irmãos que cuidam dos irmãos como mães. Amigos, que, muitas vezes, acolhem e acarinham como uma boa mãe.
            Mas também quero parabenizar as mulheres que, por um motivo ou outro, tiveram que abrir mão de ser mães. As que optaram por não sê-lo, movidas por um amor que não podemos dizer não-maternal. As que, por algum motivo, deram seus filhos à adoção, acreditando que estariam melhor em outras mãos.
            E quero me solidarizar com as que não são convictas de serem “boas mães”. Fiquem tranquilas. Imagino que quase todas nós não sejamos convictas de sermos “boas mães”...    E se formos entrar aqui no mérito do que será mesmo que é ser uma “boa mãe”... hum... isso vai longe...
            Também quero lembrar daquelas que sempre quiseram ser mães, mas por algum motivo, não puderam. Tenho certeza de que não deixarão de exercitar seus dotes maternos com todos os que convivem. Porque o desejo da maternidade nada mais é do que um desejo de se dar, e de praticar o amor. E isso podemos fazer sempre, seja lá com quem for.
            E quero confortar aquelas que, momentaneamente, ou não, têm problemas  de relacionamento com seus filhos. Porque nada garante, nem mesmo um trabalho muito bem feito, que nossos filhos se darão maravilhosamente bem conosco. O relacionamento entre mães e filhos é todo entremeado de crises, e nelas tanto mães como filhos crescem. É uma aprendizagem constante, em que, muitas vezes, trocamos de lugar com nossos filhos. Em que vem deles a orientação, a ponderação, o bom-senso. Em que, não raramente, são eles que se preocupam com nossa imaturidade e com nosso futuro.
            Enfim: parabéns a todos nós, porque não é fácil... ;)                       
                                                                       
                                                                                Analú                                                    

sábado, 5 de maio de 2012

Mães.. em Chico Buarque


ARQUÉTIPOS DO FEMININO NA OBRA DE CHICO BUARQUE


- MÃE - Meu Guri - 1981
Eu consolo ele, ele me consola.
Boto ele no colo pra ele me ninar.
                               
 
- MÃE - Angélica – 1977
“só queria agasalhar meu anjo e deixar seu corpo descansar [...] queria cantar por meu menino que ele já não pode mais cantar [...]


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Estas são duas figuras, fortíssimas representantes de aspectos do feminino nem sempre lembrados, mas presentes e importantes: a defesa da vida e a maternidade ferida.

Transcrevo parte do texto de Figuras do Feminino nas Canções de Chico Buarque, de Adélia Bezerra de Menezes, livro que tem sido suporte valioso para minhas pesquisas e estudos.

Após preciosas análises das letras das músicas Angélica e Meu Guri, Adélia arremata:
“Duas mães, dois filhos mortos, o “anjo” e o marginal- ambos assassinados, um pelas forças da repressão política; outro eliminado pelas forças da repressão policialescas da opressão socioeconômica. Uma tem consciência, sabe que perdeu o filho, e a partir desta consciência, pode estruturar o seu luto, e emprestar um sentido para sua vida: cantar por seu menino, que ele não pode mais cantar. E a outra, analfabeta, nem pode ler as legendas da foto do jornal, e decodifica invertidos os signos da morte: 'O guri no mato acho que tá rindo/acho que tá lindo, de papo pro ar.' 

O que torna quase que mais patética a mãe do guri marginal é que a alienação atinge o fundo, a desumanização vai longe: ela perde, mas não sabe que perdeu. Ou melhor, ainda não sabe: enquanto em Angélica a dor é flagrada in fieri, em Meu Guri é mostrada em véspera, no estágio absolutamente anterior ao seu deflagrar. A ironia: o mais cruel dos tropos. Meu Guri devassa o momento – álgido – antes da dor, e enfoca a questão da impossibilidade de consciência e da ingenuidade, fruto da alienação humana.
“Implacavelmente, Chico Buarque desvenda o desamparo feminino, e a procura de proteção que, paradoxalmente, por vezes a maternidade mascara.”

Por Ana Nunes     

sexta-feira, 30 de março de 2012

Você e Deus



Quem começa a se interessar por filosofia logo percebe que Deus e o Amor são temas recorrentes nos textos filosóficos.
Em  “Amor”  André Comte Sponville, filósofo francês da atualidade, afirma ser esse assunto o mais interessante de todos. Contra os  que não concordam  com  essa ideia, Comte argumenta que, mesmo que não estejamos falando de amor, estamos sempre falando do amor que temos por algo ou por alguém. 
             Assim como o Amor,  Deus parece ser, senão o assunto mais interessante, um assunto quase sempre inevitável para os filósofos. Se ele não for o tema central da reflexão, acabará sendo a causa ou solução para quase  tudo  que não se consegue compreender ou assimilar.                                                      
            Muitas vezes a motivação primeira dos questionamentos filosóficos é um profundo sofrimento por conta de imposições religiosas baseadas em ideias fantasiosas sobre Deus. E não é raro que, na busca pelas suas verdades, o filósofo acabe se enroscando em suas próprias teorias e termine apelando para Deus.  Não é muito difícil entender o porquê disso.
Deus é uma daquelas verdades que encontramos prontas quando chegamos ao mundo. Recebemos essa ideia já elaborada  e  ao longo de toda a nossa vida,  tentaremos entendê-la e estabelecer com ela a melhor forma possível de relacionamento.
Mal aprendemos a pronunciar “mamãe”  e já estamos às voltas com “Papai do céu”.  Crescemos convivendo o tempo todo com  expressões como  “Vai com Deus, Deus é mais, Deus te acompanhe, Deus te ajude, Deus te Guie... Deus castiga. Deus sabe o que faz. Deus escreve certo por linhas tortas. Graças a Deus... Meu Deus!” – Como é que poderíamos conceber com facilidade a ideia de um mundo sem um criador?  
Com todo respeito, e pedindo aos filósofos de carteirinha que me perdoem, eu acho fantástico imaginar que Descartes tenha se torrado os miolos pra concluir que, se havia nele uma ideia de Deus, era porque o próprio Deus havia colocado essa ideia nele. Por acaso Descartes vivia em algum universo paralelo,  isolado de tudo e de todos?
À medida que vamos adquirindo autonomia, passamos a questionar as verdades preestabelecidas e a consequência disso é questionarmos também esse Deus que existiu desde sempre e que suscita tanta polêmica no mundo todo.
Enquanto muitos se contentam com um Deus herdado outros muitos, pelos mais variados motivos, começam a duvidar dele. Considero natural que em certas fases da vida nos sintamos crentes, enquanto que, em outras, fiquemos céticos. Mudar de opinião faz parte do nosso crescimento.
Muito longe de pretender aqui defender a existência ou não de um Deus, o que quero propor é que pensemos sobre as confusões que se criam em torno de Deus e da religião.
Ao longo do ano passado, em vários momentos, durante as aulas de Filosofia Antiga do curso que frequento, percebia-se uma inquietação de alguns alunos quando o professor tocava no nome de Deus. Eles se sentiam incomodados porque, por serem ateus, queriam evitar Deus a todo custo. Num certo momento  perguntaram ao professor se quando ele dizia “Deus” estava se referindo ao “Bem”.  Aquilo criou uma espécie de saia justa, porque ficou evidente que, a cada vez que o professor fosse usar o nome de Deus, se perguntaria o quanto estaria incomodando aqueles alunos ateus. Desnecessário isso. Será que esse alunos não poderiam simplesmente receber a mensagem e decodificá-la silenciosamente? Se para eles “Deus” significava “Bem”, a questão estava resolvida. Eles poderiam , por algum respeito aos alunos não ateus, deixar isso passar batido. Mas não. Havia ali uma enorme vontade de combater a Deus.
Certa noite, encontrei a seguinte frase na lousa: “Deus não existe e não faz falta”. E foi então que percebi claramente o quanto havia de ressentimento ali. E a partir desse momento começou a ficar claro para mim que a presença de Deus na vida do ateu é, muitas vezes,  algo muito forte. Talvez mais forte do que na vida daqueles que naturalmente aceitam Deus como uma verdade indubitável. Excetuando os ateus que simplesmente não acreditam e para quem isso não constitui problema, muitos ateus parecem ser, na verdade, ressentidos.  E se há ressentimento é porque havia uma expectativa que foi frustrada.
Pergunto: quem gerou essa expectativa? Ouso dizer que não foi Deus.  Se existe um Deus, decerto ele  nada tem a ver com as fantasias que os homens criam usando-o como justificativa para manipular o ser humano.
Por conta de tradições religiosas podemos crescer acreditando que Deus é um pai bondoso que jamais permitirá que o mal chegue até nós. Numa barganha que só a razão humana poderia arquitetar, ele nos pouparia da dor e satisfaria nossos desejos em troca de orações, louvores e, quem sabe  até de um dízimo. Em algum momento abrimos os olhos e percebemos que não há privilegiados e  que o mundo está cheio de dor e de mal. E nos decepcionamos profundamente com Deus. É comum nos depararmos com alguém que, de repente, coloca em dúvida a existência de Deus por conta da morte de um ente querido, ou porque percebeu, num estalo, que há injustiça no mundo. É interessante observar que os insights, na maior parte das vezes, se dão quando a desgraça nos toca bem de perto. Decepcionados, passamos a combater Deus, porque nos sentimos traídos.  Mas... pense bem: foi mesmo Deus que nos prometeu um mundo de maravilhas?
Vamos partir do pressuposto de que Deus exista. Se Deus é uma ideia de supremo BEM incrustada na vida das pessoas ao redor do mundo todo e, portanto, quase unanimidade, é concebível que em nome dele se promova a segregação e o desacordo?
Embora saibamos que o próprio conceito de Deus é criação do homem, podemos encontrar nele um sentido. Mas, é preciso ter em mente que tudo o que se fala a respeito de Deus é criação do homem. A fértil criatividade humana produziu  uma variedade enorme de religiões, cada qual com suas particularidades, defendidas com unhas e dentes por seus adeptos. Decorrem daí as intrigas e disputas religiosas, os  jogos de poder e o fundamentalismo, que não raro culminam em guerras. Você acha mesmo que Deus acharia bacana isso?  Cada religião pode forjar todo tipo de desculpa para justificar o injustificável.  O que é uma contradição inaceitável é que, em nome de Deus,  seres humanos fiquem se futricando e se aborrecendo, tentando fazer valer suas próprias convicções.
Há pouco tempo bati um longo papo com uma mãe de família que apanhara durante 24 anos de um marido desequilibrado. Essa mulher atravessara a vida desejando a separação para tentar, finalmente, ser feliz. Ela conseguiu. Assinou o divórcio como quem recebe uma carta de alforria. Mas, então, o pastor com quem costuma se orientar lhe disse com todas as letras que ela jamais poderia casar-se novamente, porque está escrito na Bíblia que uma mulher divorciada não tem direito a um novo casamento. Percebi nela uma enorme impotência para questionar tal condenação à infelicidade perpétua. Será mesmo que Deus condenaria alguém a viver uma vida apanhando e ainda lhe castigaria com a proibição de viver um novo amor? Afinal, Deus não gosta do amor? É concebível isso?
Outro dia alguém postou no facebook uma publicação sobre uma súbita implicância das lésbicas com crucifixos em lugares públicos. Seguiu-se ali uma enxurrada de comentários em que se percebia o quanto de confusão existe sobre ser Católico ou Cristão, ser o Brasil um país laico, sobre serem as lésbicas atéias... enfim, uma bagunça. Mas, abstraindo-se as opiniões pessoais, o que restava ali era uma disputa pela posse da razão. E uma agressividade. Mesmo que às vezes velada, uma grande agressividade. Em nome de Deus. 
Lembrei então de um vídeo em que Drauzio Varella dizia, com muita serenidade, que era ateu desde sempre, e que respeitava todos os religiosos, mas percebia uma grande violência dos religiosos contra os ateus. Como se ateus não pudessem ser homens de bem. São equívocos gerados pelas religiões.   
Todas as vezes que questionei os que defendem a Bíblia como verdade absoluta, perguntando-lhes, afinal, quem escreveu a Bíblia, a resposta que tive foi que foram homens inspirados por Deus. Pois é... mesmo que se aceite que a inspiração veio de Deus, o recado foi passado através da razão humana. 
Quando comento com religiosos sobre a dificuldade que tenho em compreender os textos bíblicos a resposta também é recorrente: é preciso de orientação para entender a fundo as mensagens bíblicas. Pois é... digo eu, novamente. Essa orientação virá de quem? De homens que interpretaram a Bíblia e que me orientarão de acordo com suas próprias interpretações, que, na verdade, não são muito próprias,  porque eles também tiveram uma orientação prévia. Ou seja: não escapamos da interpretação humana.
É assim, graças a interpretações humanas, e pelo não questionamento dessas interpretações, que vemos mulheres agoniadas se sentindo culpadas por desejar viver um novo amor. É assim que vemos grupos imensos cantando louvores motivados pela crença de que Deus ficará feliz com isso. É assim que mulheres estupradas ainda precisam passar por verdadeira tortura psicológica para fazer um aborto. É assim que relacionamos prazeres carnais à culpa. E é assim que, em lugar de nos regozijarmos com uma vida plena, passamos a vida nos debatendo entre aquilo que de fato sentimos e aquilo que as religiões pregam.
            E é assim que concluo que as religiões apequenam Deus e promovem a segregação. E que grande parte dos que se revoltam contra Deus está, na verdade, revoltada contra as religiões.
            Minha sugestão é que, já que a ideia de Deus é algo tão forte e plausível para muitos, e inadmissível, mas ainda assim muito forte, para outros, tentemos pensar nisso sem a interferência das interpretações religiosas.
            Podemos olhar o mundo à nossa volta, rever todo o percurso da nossa vida, sentir o que vai dentro de nosso coração, ouvir nossas próprias respostas e concluir algo. Sabendo, de antemão, que somos livres para repensar Deus enquanto vivermos.
            Porque, se há um Deus e se é importante para você compreendê-lo, isso é trabalho seu.
Isso é entre você e Deus.

Analú

11/03/2012

terça-feira, 13 de março de 2012

A Literatura enquanto exercício vital! – parte 4

ENTREVISTANDO LÍVIA GARCIA-ROZA



Quando perguntei se Lívia tinha algum ritual para escrever, ela me disse que não. Escreve todo dia. Escreve na parte da manhã e à noite, deixa um caderno perto da cama. Prefere escrever em blocos amarelos de papel e depois passar para o computador. Posta todo dia na internet. Escreve bastante e quando as idéias vêm de forma atropelada, as anota e as guarda para depois. Depois de escrever um romance no papel, quando ele está mais estruturado, passa para o computador. Disse então, em tom confessional, que sempre escreveu besteiras. Escrevia nas paredes, nas carteiras da escola, nos banheiros, na areia da praia e também fazia isso oralmente. E veio com uma frase curta, mas profunda: “Escrevo porque é necessário escrever”. Disse que o ser humano não pode não narrar. Se não escreve ficção, o ser humano precisa se contar. Somos seres da palavra. E eu tenho isso muito forte em mim. Quando termina um romance e ele é publicado não o relê mais. “Perco a relação com a história depois de publicada. Em compensação os livros tornam-se casas, casas às quais posso retornar de vez em quando, como agora em que estamos falando sobre eles”.
 

Quanto ao público de seus livros ela mesma diz que as histórias brotam sem faixa etária. Falam da natureza humana. E afirma: “É preciso dar crédito à Freud, quando disse que o amor e o ódio são faces de uma mesma moeda. É da natureza humana isso. Somos feitos de conflitos. A família é um canteiro de problemas. A família se suporta, mas há momentos em que há carinho e ai vem a culpa por odiar. Faz parte da vida. Tem uma hora em que não se quer a família por perto. Sentir essas coisas é vida. Faz parte da vida. E a Literatura é o que vai desarrumar você. E te fazer pensar. Pensar em algo inédito, às vezes bizarro. É isso que move a gente. E não todo mundo pensando igual. Claro que dá trabalho e ameaça ser diferente. O sentimento de não pertencimento que dá ser diferente não é fácil. É também preciso se adaptar quando a banda toca. Ou arrisca-se a ficar falando sozinha. Mas temos de encarar essa diferença, esse é o nosso bem maior. Só assim temos o que trocar. Os casamentos quando entre diferentes são possíveis. Trazem novidade um ao outro – e o outro é o Outro. Claro que há momentos em que temos recaídas infantis. Principalmente quando se é jovem. Ser jovem é um sofrimento. Depois se vai aprendendo a lidar melhor com o mundo. É quando as coisas criam nuances.”

Por fim, para arrematar a entrevista perguntei para ela da sua relação com a infância. Seu texto infantil revela a diferença de olhares que existe entre o universo infantil e o adulto. A personagem Betina resolve querer um elefante de verdade para tomar conta de suas bonecas. Quando finalmente se faz ouvir e conhece um elefante de verdade, percebe que o tamanho do elefante é tal que poderia amassar suas bonecas. Volta para casa inconformada e já no dia seguinte começa a pensar em ter... uma girafa. Betina vê o mundo de um jeito e os pais de outro. Eu então lhe disse que me espantei em ver a visão tão contemporânea que ela tem sobre a infância. Betina é uma criança de hoje. As personagens de Lívia são seres que você pode encontrar nas ruas das cidades brasileiras a qualquer hora e minuto. Ela ri dessa minha observação. Ela então contou que sempre teve sua criança interior muito solta e que seu olhar tem a ver com o humor por isso. E terminou com a frase: “É preciso ir além da dor. Precisa dizer mais?”

Eu, se fosse você, iria atrás da obra dessa autora. Não é fácil encontrar seus livros nas livrarias. É preciso encomendá-los, porque sua obra é um desses tesouros escondidos que vivem à parte da mídia.

Por Ana Lúcia Brandão

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher - 2012


Elas sorriem quando querem gritar.
Elas cantam quando querem chorar.
Elas choram quando estão felizes.
E riem quando estão nervosas.

Elas brigam por aquilo que acreditam.
Elas levantam-se para injustiça.
Elas não levam "não" como resposta quando
acreditam que existe melhor solução.

Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.
Elas vão ao medico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.

Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prêmios.
Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversario ou um novo casamento.

Pablo Neruda

sexta-feira, 2 de março de 2012

Três Gerações


Linda Daly Meshil

Há três mulheres jantando numa fria saleta cor de salmão
refletidas numa mesa de madeira polida, longa e profundamente marcada
antes beleza elegante e intocável, hoje ordinária e útil
Manchas e espirros de frutas não contam
Gotas de sangue de carne não importam
Elas comem com a indiferença de velhas amigas
O líquido derramado não lhes chama a atenção
E o escorregão da faca pode ser esquecido

A velha senhora reina em silêncio sobre a longa mesa de cicatrizes
Tão antiga como o hábito que soprou vida na matéria
E pronunciou as palavras “nos criou”
Seu prato está limpo
Exceto pela faca e garfo ali cerimoniosamente depositados
Uma vasilha com ameixas maduras e suadas dorme
intacta por suas mãos retorcidas
Ela está satisfeita, contente por ter terminado a refeição antes delas
Ela espera para sair da mesa em sinal de cortesia para com
As que ainda não terminaram.

A jovem senta-se em frente à velha e com seu dedo
Acompanha um risco na superfície da longa mesa de cicatrizes.
Ela viaja por toda sua extensão para chegar até a vasilha com frutas suadas.
Seu sabor e textura agradam-lhe
A pele firme e macia escorrega ao seu toque e escapa até o meio da mesa
Onde é resgatada rolada de volta e fatiada
Satisfeita
Só resta um caroço do lado do prato
E o sangue da fruta em suas mãos

A meio caminho entre as duas está sentada uma outra mulher que olha para a marca redonda
e molhada do suor no meio da longa mesa de cicatrizes
Testemunha dos crimes de roubo e assassinato
Nada se ouve ou diz entre elas
A velha senhora logo sairá
A mais jovem ficará para a sobremesa e a mulher do meio
raspará os restos mortais da festa muda,
mirando-se no espelho da sala de jantar onde verá
envoltas em rosas três mulheres
Uma tão antiga como o ar
uma jovem
e uma a meio caminho entre cá e lá
em suspenso pelos fios silentes do anseio de ser as outras duas.


Por Ana Nunes

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Literatura enquanto exercício vital! – parte 3

ENTREVISTANDO LÍVIA GARCIA-ROZA



Lívia nos disse que teve uma infância e adolescência com uma convivência farta com o universo masculino. E uma vida voltada para a exterioridade, foi uma intensa leitora da vida. Todo acontecimento ela tornava uma história. Os irmãos a chamavam de mentirosa. Já a mãe a intitulava de “imaginosa”. Na adolescência, quando a maioria dos jovens tem essa noção de isolamento, cultivou também uma vida interna, com um razoável equilíbrio. Disse que seu pai sempre foi um homem da palavra. Ele exercia uma relação de muita liberdade com a palavra. Era comum acordar a filha recitando alguma poesia em voz alta. Portanto diz Lívia: “a palavra me pegou desde cedo. Fiz o percurso da palavra – pelo Teatro, pela Psicanálise e agora pela Literatura. A palavra é meu móvel”. Enquanto psicanalista acolheu a palavra do outro e deu palavras para o outro. E depois a literatura foi um processo muito intenso. Durante a vida adulta teve uma forte convivência com o universo feminino.

Diz Lívia: “A questão da mulher me interessa sobremaneira, é de uma riqueza inesgotável. Cada mulher se inaugura. Não tem modelo para ser mulher. Hoje em dia cada uma se inventa. Se ganharam, ganharam a vida e com isso tiveram que se fazer sozinhas. É um trabalho árduo, cheio de plasticidade e um tanto de loucura. Ouvi muito a fala da mulher. E a escuto com muito interesse. Como mãe de mulheres você escorrega toda hora. Elas te desafiam, te confrontam. Fazem você agir. Ter uma vida movimentada. É um universo muito rico. Vital! Veja a Gilda (de “Solo Feminino”) ela batalha pelo amor e por sua sexualidade. Escrever é isso. É um desafio na linguagem. É também uma surpresa que eu deixo acontecer. Essa questão da linguagem e da brasilidade, da busca do linguajar regional, é tão rico tudo isso (obs: a mãe de Matilde em “O sonho de Matilde” se expressa como uma mineira do interior). E você vai fazendo e o livro vai acontecendo. Como sempre precisei muito falar, contar histórias, eu sempre observei o ser humano na farmácia, no dia a dia. Então transbordei a escrever. E tive paciência para aprender a lidar com a internet. E com isso veio uma nova experiência, a dos posts. Comecei a escrever posts sobre os mais variados temas. As pessoas gostaram muito. Foi aparecendo gente e mais gente. Até que a editora quis publicar esses textos curtos, de leitura rápida na forma de livro. Chama-se “Faces”.

Ela fez o livro por áreas de interesse como: Cotidiano, Família, Psicanálise, Infantil. Foi uma experiência interessante, que mantenho até hoje. Posto de duas a três vezes no Facebook, por exemplo. Quando escrevo, é claro que a literatura é parcialmente ficcional e parte verdadeira. Há histórias e episódios da convivência familiar que rendem boas histórias. Enquanto leitora eu gosto de ler muitos autores nacionais e tenho uma preferência pela Literatura latino-americana. Acompanho também a poesia feita hoje, os novos poetas. E gosto da leitura de ensaios. O último que me dei de presente foi a coleção de ensaios de Otto Maria Carpeaux em quatro volumes “História da Literatura Ocidental” (Editora Leya)”.
Por Ana Lúcia Brandão


continua...
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Apresentação do livro "Mulheres Que Correm com os Lobos"


Muito resumidamente: Clarissa Pinkola Estés é uma analista Junguiana com 20 anos de prática e contadora de histórias. Cresceu em contato com a natureza, e os lobos sempre rondaram seu universo, em sonhos ou na vida real. 
Estudando esses animais, ela observou várias semelhanças entre a loba e a mulher, principalmente no que se refere à dedicação aos filhos, ao companheiro e ao grupo. 
Em "Mulheres Que Correm Com Os Lobos", seu primeiro livro, ela defende a idéia de que, ao longo do desenvolvimento da civilização, esses instintos mais naturais - a que ela dá o nome de Mulher Selvagem - foram sendo domesticados, sufocando todo o potencial criativo da alma feminina. E faz um trabalho maravilhoso de resgate dessa alma através da análise de mitos, contos de fadas, lendas do folclore e outras histórias. Percorrendo as páginas de seu livro vamos nos ligando novamente aos atributos saudáveis e instintivos do arquétipo da mulher selvagem. Creiam: Clarissa consegue isso. E quem ganha somos nós!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Literatura enquanto exercício vital! - parte 2


ENTREVISTANDO LÍVIA GARCIA-ROZA
Para início de conversa tive de pedir a colaboração do pessoal da Casa de Livros, que gentilmente me enviou vários títulos dessa autora. Foi quando descobri que Roza está decidida a marcar sua presença no campo literário brasileiro. Ela tem por volta de doze obras publicadas. E obras para adultos (romances e contos), adolescentes (romances), pré-adolescentes (diários) e crianças (“A casa que vendia elefante” e “Betina tem um problema” – ambos da Editora Record com ilustrações de Mariana Massarani). É espantoso que uma escritora se dedique á Literatura e espalhe seu trabalho em tantas fases de vida. No Brasil, comumente escritores dedicam alguns títulos às crianças e adolescentes, em geral quando têm filhos, na forma de uma concessão à grande Literatura. João Ubaldo Ribeiro tem dois, Nélida Pinõn tem um. Já Lívia, notamos que escreve para quem quiser ler, sem dirigir sua literatura para cá ou para lá. Isso revela um certo ecletismo e uma visão de mundo bem aberta e antenada com a realidade do século XXI. Eu me dediquei a ler um número generoso de romances com protagonistas-mulher, seus sonhos, desejos, realizações e frustrações em uma variedade enorme de situações de vida presentes em livros como “A palavra que veio do sul”, “Solo feminino”, “O sonho de Matilde”, “Meu marido”. “Cartão-postal”, “Milamor”, “Cine Odeon”, “Ficções fraternas”. Descobri que “Cine Odeon” e “Solo feminino” esbarraram perto do Prêmio Jabuti de Literatura (provavelmente em “autora revelação” e “Milamor” esteve entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura no ano passado.


Em “A palavra que veio do sul”, ela retoma o tema dos pais separados em um momento bem posterior à separação, já que o pai está novamente casado e apaixonado pela nova mulher e a mãe busca um amor na internet e não percebe um apaixonado, Wanderley que a rodeia no cotidiano e que se contenta em ficar amigo da filha e cuidar dela quando a mãe precisa sair. O texto já começa assim: “Mamãe estava deitada no chão da sala, venda nos olhos, imóvel. Ao seu lado, eu colava no vestido cada pedacinho que recortava da revista de história em quadrinhos. Sem se mexer, mamãe comentou que eu tinha me tornado estilista a partir de um trauma. Perguntei o que era trauma, e ela respondeu que era um choque infernal. – Um empurrão de elefante, Leninha.” Ou seja, não resta dúvida, que a autora pretende esmiuçar os sentimentos humanos em sua produção literária. 
O romance “O sonho de Matilde” trata da relação de uma família do interior, de valores rígidos e extremamente limitada intelectualmente. De um momento para outro, a vida familiar leva um choque porque uma das filhas adolescentes do casal tem um surto psicótico. E o texto trata das mudanças nas relações familiares, o sonho de conhecer o Rio de Janeiro como uma experiência complexa e cheia de acertos e desacertos.

“Meu marido” trata de uma mulher do interior que se casa com um policial e vai viver no Rio de Janeiro, onde desfruta de uma vida econômica melhor, só que a convivência com o marido é das mais inusitadas.

Outro título que me impressionou muito bem e que acho bem raro na literatura foi “Solo feminino”, um texto que trata de Gilda, uma mulher em seus vinte e poucos anos, que já trabalha e vive com a mãe e o tio. É muito interessante como Gilda lida com suas relações amorosas, dribla um fã e persiste na realização de seu sonho amoroso e profissional. Um texto raro, porque o público entre vinte e trinta anos quase não aparece nos romances de Literatura Brasileira. Muitas editoras recusam textos para essa fase da vida. De antemão não apostam nesse público.
Talvez porque o vestibular e os primeiros anos da faculdade, comumente enveredem os jovens adultos a uma literatura especializada e não apostem na formação mais geral do ser humano. Portanto, esse romance é uma boa surpresa. É um texto que encontra uma linguagem enxuta e plena de acontecimentos bem própria ao universo de vivências desse público.
Enfim, chegamos finalmente ao que a psicanalista e nova escritora Lívia Garcia Roza nos contou sobre sua relação com a leitura e a literatura. De antemão, na orelha de “Solo feminino” somos informados que ela freqüentou por um ano o Curso de Literatura Brasileira e Portuguesa, ministrado pelo Prof. Ivan Cavalcanti Proença.


Por Ana Lúcia Brandão


continua...
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