Sou uma ilha rodeada por um mar de histórias
e livros por
todos os lados: ontem, hoje e acho, parece que sempre!
Ana Lúcia Brandão
Para mim, a imagem de uma mulher com um livro entre as mãos foi uma constante na minha infância, adolescência e vida adulta. Minha mãe foi uma leitora voraz. Nas fases em que a vida não lhe permitia sonhar, os livros entravam de sola no cotidiano dela. Já que abrira mão de uma vida profissional, caminho aberto por uma bolsa de estudos na Inglaterra, em troca do amor de meu pai e da vida familiar, a leitura exerceu o papel de expandir seu universo de vida e de alimentar novos sonhos. Quanto à sua forte relação com a Arte, Arquitetura, Decoração e o de mulher moderna, ela foi resultado de uma mistura da cultura francesa com a dos filmes americanos dos anos 50 e a revista Mac Calls, que se não apresentava contos de Poe como em “A estação”, apresentava uma seção com contos de Hemingway...
Passaram pelas mãos de Miss Margareth, mais de uma vez, a obra de Joseph Conrad, Eça de Queiroz, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Herman Hesse, Fernando Sabino, Fernando Namora, Agatha Christie, Miguel Torga, James Michener, Octávio Paz e tantos outros. O problema era que quando ela se voltava para um autor, ela viciava e não sossegava enquanto não lia a obra toda. Mas essa também foi mania do meu pai. Talvez essa tenha sido uma mania da geração entre guerras, do século XX, em Sampa.
Na minha família nuclear ler era
como respirar: uma necessidade primordial. A leitura sempre foi motivo de
conversas com novos pontos de vista e interesses inusitados – novos horizontes.
Na geração de minha mãe ler foi também uma forma de participação social e educação familiar, ia da bula de remédio,
passava pelo gibi do Axterix e ia até “Guerra e Paz”, aquele bitelão escrito
pelo Tolstoi. Ela fez parte de uma entre as várias gerações que estudaram no
Caetano de Campos, matavam aula para assistir o novo filme do Hitchcock,
rondavam a Biblioteca
Mário de Andrade e tomavam sorvete na Vienense ou chá no Mappin. Fruir a
leitura, o cinema, a música clássica e popular, ver uma boa exposição de arte
eram exercícios constantes, assim como hoje se faz aula de aeróbica. Trocavam-se
impressões de leituras. Os livros rodavam pelo restante da família e entre
amigos. É bom lembrar que só existia o rádio como meio de comunicação. A televisão
não existia nem em sonhos. As noites eram feitas para se ler, jogar cartas com
os amigos ou ir à boate. Sair com amigos só nos finais de semana. Esse foi o
tempo de formação de vida de meus pais. A curiosidade pelo mundo ao redor e por
diferentes línguas e culturas foi uma constante na vida deles. E uma leitura
sempre aberta ao novo, ao desafiante, ao desconhecido que se considerado bom
era imediatamente incorporado – de Sidarta à ginástica sueca.
Já a música de Edith Piaf, Frank
Sinatra,
Beatles e Gilbert Beacaut contavam com o coro dela na hora de cantar. Eu adolescente,
morria de vergonha. Que bobagem. Com o tempo, fui descobrir que minha mãe era
mesmo “um ser narrativo” - as músicas cantadas por intérpretes, todas - eram
histórias de amor, correspondidas ou não.
Ali estava a expressão do seu lado passional, porque nos demais ela foi bem
enigmática, um ser talhado para ser mesmo “musa” de um poeta.
O que ela e meu pai nunca imaginariam era que esse
ambiente me levaria a ler muito e a trilhar o universo da leitura e da
literatura como parte fundamental da minha vida profissional. Para eles foi um
susto, para mim, algo natural como as águas de um rio que deságua no mar. O meu
avô materno, que passou a vida inteira dando aulas de Língua e Literatura, já
aposentado e curtindo um pijama, adorou. Afinal entre tantos netos, só uma
enveredou para o seu lado: contar histórias, ler histórias, comentar histórias,
assistir à histórias.
Vamos navegar nos mares nunca
dantes navegados de Fanny.
Ana Lúcia Brandão
Parabéns Tucha , temos uma prima escritora nata!
ResponderExcluirBjs
Caio Sérgio
Sensível e tocante, minha amiga!
ResponderExcluirAdorei, emocionante, mto bom ter tio uma mãe assim, que, afinal, foi ou não foi mto chegada ao gênero poesia? Fiquei na dúvida.
ResponderExcluirParabéns.