terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Literatura enquanto exercício vital! - parte 1

ENTREVISTANDO LÍVIA GARCIA-ROZA


"Subjetividade - Penso que tenho exercido uma grande influência em mim a ponto de me tornado outra."
Lívia Garcia-Roza

Lívia Garcia-Roza publicou “Quarto de menina” (Record) em 1995 quando recebeu selo de obra recomendada pela FNLIJ, entidade que representa o IBBY no Brasil (International Board on Books for Young Children). Meu ponto de vista enquanto leitora profissional concordou dessa vez com a escolha. Das muitas histórias dramáticas sobre separação de pais, essa sem dúvida alguma, vai além. Com o início da narrativa, contada sob o ponto de vista da menina Luciana, o leitor se vê imediatamente mergulhado no seu intrincado universo familiar. O texto privilegia o desenvolvimento do tempo psicológico, ou seja, o tempo em que seus sentimentos emergem. Luciana tem seis anos e é filha única. Seus pais acabam de se separar. O pai é um intelectual de poucas palavras. Justamente por isso, ela o conhece pelas expressões faciais e mais por seus silêncios e expressão corporal. Diz ela: “Papai veio me buscar. Chegou tão velhinho que quase pensei que fosse outro pai. Os pais envelhecem assim de repente?” Já a mãe é o oposto. Fala em demasia. “Mamãe se despediu daquele jeito dela: falando, falando. Sua boca não se cansa nunca!”. O comportamento ansioso da mãe incomoda demais Luciana. Ela está tentando elaborar essa enorme mudança em sua vida, enquanto a mãe a deixa tonta. A menina passa a se dividir entre a casa de cada um dos pais, como comumente acontece. Considera como sua casa, a casa do pai, onde sente que pode ficar consigo mesma sossegada. Certo dia, o pai vem buscá-la na casa da mãe. Diz a personagem: “Diferente, diferente. Falante, simpático, carinhoso. Outro homem.” Assim que chega à casa do pai, tudo está diferente. Ele tem uma namorada nova, Selma.

Bom, Luciana, como toda criança, gostaria que houvesse mais estabilidade nas relações com os pais, mesmo que separados. Mas isso não acontece. A vida lhe impõe uma vivência cheia de surpresas e novos acontecimentos. Isso faz com que a menina vá se ajustando a novas realidades. A narrativa é original no apresentar as nuances de sentimentos contraditórios e inesperados que ocorrem na vida de uma criança quando os pais se separam. O grande nó da questão está na diferença de maturidade que existe entre pais e filha, que a obriga vivenciar crises de identidades e de postura de vida dos pais e para as quais ela, menina de seis anos, não tem elementos para lidar. O interessante é que o texto consegue ser sensível a todas essas questões, mesmo sendo centrado no ponto de vista de Luciana, porque vai além deste e consegue fazer com que o leitor capte o ponto de vista das demais personagens envolvidas. Toda essa perspicácia é resultado da observação sensível da psicanalista e, atualmente escritora full time Lívia Garcia-Roza.

Eu li dúzias de histórias com esse tema nos últimos vinte anos e todas são muito parciais, algumas esbarram em preconceitos, outras se prendem a ser episódicas, o que demonstra que esse tema é polêmico, meio tabu e, portanto, poucos escritores investem nesse terreno tão pantanoso. Vale apontar essa dificuldade. Afinal, a sociedade brasileira lida com essa questão há tempos. No meio escolar, por volta de 45% das famílias hoje são de pais separados. Portanto é uma sorte para nós leitores, sejamos adolescentes ou adultos contar com essa nova voz e olhar tanto na Literatura Juvenil quanto na Adulta. Movida pelo entusiasmo com esse livro e com uma conversa com Fanny Abramovitch sobre a Lívia que resolvi rastrear as outras obras publicadas por ela, lê-las e então entrevistá-la.


Por Ana Lúcia Brandão


continua...
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Ler Parte 2

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