sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Saudade veio me ver

 
Ontem Saudade passou por aqui. Veio sem ligar antes, me pegou desavisada e, como sempre, me irritou com sua mania de olhar pra trás. 

Às vezes tenho dó de Saudade, porque nunca a recebo com muita boa vontade. Até faço sala, coo café, dou conversa, mas sei que quando se vai, Saudade vai sempre ressentida, por perceber um certo pouco caso nessa sua nem tão grande amiga. Nem sei porque volta... 

Ontem, especialmente, enveredamos por conversas perigosas. 

Eu queria falar dos meus planos e expectativas e Saudade desandou a falar de gente de quem eu nem lembrava mais. Tirou do fundo do baú uma amiga com quem rompi por conta de triste intriga. 

Eu queria aproveitar sua presença, algum ouvido pra me escutar, e me desabafar. Dizer da imensa correria em que vivo. Da falta de espaço e tempo pra troca de carinhos com gente que amo e que se ressente com a minha ausência. Eu queria falar do meu medo a respeito dos dias que estão por vir. Do quanto me envolvo com tanta coisa e com tanta gente e do quanto já me comprometi. Do quanto fico ansiosa por nunca saber se darei conta, se farei feio, se estarei muito aquém do que eu mesma espero de mim. Do quanto estou perdida, entre fazer o que amo e ganhar a minha vida... 

E Saudade não me dava bola. Num repente, tirou de uma grande sacola fotos antigas de uma infância nem tão alegre, de relacionamentos que findaram, e mais: fotos de família... E Saudade tem uma mórbida mania de sempre trazer consigo uns biscoitinhos amargos feitos de pura Culpa. Insistia em que eu os comesse, dizendo-os necessários. Deixei-os de lado, e lhe prometi, falsamente, que os comeria antes de dormir, o que a deixou visivelmente satisfeita. 

Eu olhava pra Saudade e me perguntava o porquê de tão estranha visita. Não lhe dei muita atenção. Só num fugaz momento Saudade conseguiu me tocar de verdade. Foi quando apelou pras fotos dos meus meninos, em suas mais diferentes fases. Nenemzinhos, mamando no peito... engatinhando... os primeiros passos, a ida pra escola, férias na praia junto a um bando de primos e primas, todos quase na mesma idade... Naquele instante, Saudade me arrebatou.


Mas, tenho mania de Agora e me pus a lhe contar o quanto já estão homens, metidos de cara na vida. O quanto me orgulho deles. 

Saudade não me deu ouvidos. Ficou me provocando, tentando me fazer lembrar daquela vez em que, me acreditando apaixonada, quase pus tudo a perder. E então disparou a falar de tantas e tantas paixões que abortei. Colocou em dúvida minha capacidade de amar. 

Questionei se não estava extrapolando, pois, se viera me visitar, com certeza não fora pra me julgar. 

Enfim, eu quis falar do futuro e isso não deu muito certo. Saudade não entende nada disso. E nem eu, confesso. 

Criou-se um mal-estar entre nós e, então, sentindo seu desconforto, recolhi as xícaras da mesa, catei as migalhas da toalha e me desculpei por nunca lhe dar a atenção que julga merecer. 

E lhe expliquei que será muito bem-vinda quando vier com novidades. Porque há, sim, sempre em mim, uma muito viva saudade de coisas que não vivi. 

Pedi que se prepare melhor e na sacola me traga fotos da casa avarandada em que vou envelhecer. Que na varanda estejam filhos e netos e algo realmente de família, com tudo de bom que isso possa trazer. Num canto, talvez, um homem me olhando com olhos de quem ama de verdade e, entre nós, uma aura de pura aceitação. E sorrisos, abraços, confraternizações sinceras... 

Que me traga também uma foto de um cantinho da casa onde ganharei a vida escrevendo. Talvez em frente a uma enorme janela, de onde poderei ver meus netos, felizes, correndo. 

Abracei Saudade com carinho e senti sua frustração. Então a consolei, explicando-lhe o quanto sou ruim em recordar. 

E pedi que em sua próxima visita convide sua colega Tranquilidade, uma amiga com quem pouco convivi, mas de quem sempre tenho muita saudade. 

Ela me prometeu não me decepcionar. 

Vou esperar, confiante. E a receberei com todo carinho do mundo. Acho até que vou fazer uns bolinhos de chuva... 



Escrito por Ana Lúcia Sorrentino

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Prazer sexual na terceira idade é possível e perfeitamente legítimo

Mesmo que a potência ou a libido diminuam, o desejo permanece latente e, usando a imaginação, sempre haverá um jeito de satisfazê-lo. Mas só mantém vida sexual ativa quem não se considera velho e não se entrega à depressão, à inatividade. Quem fica lamentando o ninho vazio e deixa de se cuidar torna-se desinteressante e perde a chance de renovar a união antiga ou de viver uma nova.

No filme francês Et si On Vivait Tous Ensemble? (E se Vivêssemos Todos Juntos?), de Stéphane Robelin, dois casais e um amigo solteirão, todos com mais de 75 anos, resolvem morar juntos para fugir da solidão e de um fim de vida numa casa de repouso. Bonito e divertido, o filme toca num assunto que ainda é tabu: a sexualidade na fase madura da vida.

Linda e charmosa, a personagem vivida por Jane Fonda (76) pergunta a um antropólogo que está escrevendo sobre a velhice se ele acha que os velhos têm vida sexual. O estudioso fica atrapalhado e ela lhe diz que é claro que têm, que ela própria se masturba e faz sexo com o marido. O solteirão do filme não fica atrás: procura prostitutas e teme perder a potência.

O que a história nos diz é algo básico: na terceira e na quarta idades as pessoas podem e devem ter vida sexual, namorar, ter fantasias. Mesmo que a potência ou a libido diminuam, ainda há desejo e a imaginação pode ajudar a satisfazê-lo.

Algumas mulheres que atendi no consultório me contaram que após os 60 anos sua vida sexual, com o marido ou um novo namorado, melhorou muito. Várias relataram que só foram experimentar um orgasmo depois dos 50 anos. Maduras, conheceram uma libido que pensavam não existir.

A verdade é que é possível amar, se emocionar, se apaixonar em qualquer fase da vida. Se a pessoa tem saúde, se está bem emocionalmente, poderá viver esse momento sem abrir mão do prazer. Para isso, no entanto, quando os filhos saírem de casa, em vez de ficar chorando e lamentando o ninho vazio, deve fazer novos planos, aproveitar a liberdade.

Se a essa altura o casal continuou junto, mesmo após passar pelos problemas e pelas crises que ameaçam os casamentos, é hora de comemorar, aproveitar a aposentadoria, realizando projetos há muito tempo sonhados, viajando sem preocupações, mudando de casa, ou mesmo de cidade — e tendo prazer sexual.



Duas ou três décadas atrás, quem tinha 60 anos era considerado velho e ia morar na casa dos filhos, cuidar dos netos. Hoje, com essa idade ou mais, estamos cheios de vida, trabalhando e com saúde suficiente para realizar os sonhos que ficaram na gaveta porque havia as crianças para cuidar, ou porque o trabalho não podia ser abandonado, e tantas outras obrigações.

Os netos são adoráveis mas os novos vovôs e vovós podem e devem namorar. Se estão sozinhos, por que não encontrar um companheiro ou companheira? De início, os filhos podem reclamar, criticar a mãe ou o pai por se enfeitar, sair para dançar, ir ao teatro, frequentar um grupo de amigos, mas no fim vão se acostumar e se orgulhar de vê-los felizes e autônomos.

Hoje, as redes sociais ajudam muito. Ninguém precisa ficar sozinho. Tem muita gente no mundo que valoriza mais o caráter, o companheirismo e a filosofia de vida do que a aparência ou o dinheiro. Aproveitar a vida, ser otimista, curtir pequenos prazeres, ter bom humor, saber ouvir são qualidades que atraem.

Agora, quem se considera velho, se entrega à depressão, deixa de cuidar do corpo e só fica em casa, relacionando-se apenas com a família, certamente não terá a menor chance de encontrar uma alma gêmea.

Quando os filhos vão viver a própria vida, o “enfim sós”, não deve ser sentido como solidão, ou final de vida, mas como liberdade e oportunidade para um novo começo.


Escrito por Leniza Castello Branco
Fonte:
 http://caras.uol.com.br/revista/1005/secao/amor/prazer-sexual-na-terceira-idade-e-possivel-e-perfeitamente-legitimo#image0

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Héstia

Uma presença indispensável para compensar a agitada vida moderna é Héstia, a deusa grega da lareira e do fogo central das casas. Héstia não é encontrada em imagens, mitos ou histórias, mas nos tempos antigos presidia muitos rituais. Em Roma, as vestais eram as virgens dedicadas a ela: cuidavam do fogo sagrado da cidade e eram severamente punidas se violassem a castidade. Héstia representa o circulo, o centro, a espiritualidade da mulher, o calor e a proteção do lar, o espaço da alma, o lugar de retorno.


Figura anônima, reservada, silenciosa e introvertida, encontramos Héstia na execução das tarefas domésticas, na meditação e na solidão. Ficou desprestigiada a partir do movimento feminista, pois representava um modelo do qual as mulheres necessitavam se distanciar no momento em que conquistavam o mundo fora das paredes do lar e outros arquétipos femininos estavam em ascensão. 


Hoje em dia cada vez mais mulheres guerreiras já maduras, ao deporem suas armas, almejam essa deusa em suas vidas. Héstia traz o tempo sem pressa, não do relógio cronológico, mas o da calma interiorização e da energia apaziguadora, mantendo o centro da alma puro e intocado das solicitações e aceleração do mundo externo atual. 

Podemos acessá-la na arrumação de um armário, ao lavar louça, tecendo ou cerzindo, afazeres repetitivos que levam a um devaneio quase meditativo. Também está presente na contemplação de uma acolhedora lareira, na prática de Ioga ou na sensação de aconchego e repouso quando voltamos para casa depois de um dia inteiro fora. Sem Héstia nos perdemos de nós; precisamos dela para regressar ao lar da alma.



Escrito por Silvana Parisi