sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Elas e Eles


      Elas saíram às ruas, queimaram sutiãs, questionaram a ordem estabelecida. Espernearam, protestaram, reivindicaram direitos, igualdade, emprego, salário, voto. Batalharam, enfrentaram, conquistaram. Deixaram de servir só ao lar e também de se calar à forte presença do pai de família. Assumiram as contas, a casa, o mercado de trabalho, a profissão, os filhos, os pais idosos, irmãos frágeis, pets abandonados e tudo o que o mundo lhes impõe. Mostraram que podem ser ótimas em tudo o que fazem. Dentro, fora, aqui, além, acolá. São inteligentes, espertas, multifacetadas, multitarefas, interessadas, competentes, eficientes, fortes. Trabalhadoras. Estudiosas. Bonitas. Invadiram a política e, apesar de ainda serem poucas, dão de dez a zero nos quesitos honestidade, clareza, facilidade em se comunicar. Aprenderam a gritar entre trogloditas, pra se fazer ouvir e respeitar. Ganharam votos, visibilidade, credibilidade.
            Eles se fizeram de tontos pra não ir pra guerra. Reativos. Cederam ao que estavam absolutamente impossibilitados de resistir. Adequaram-se ao que era muito inadequado não se adequar. Ou fugiram. Alguns corajosos descobriram o lado bom disso tudo. Passaram a viver coisas que não viviam, conheceram afetos desconhecidos, desfrutam, privilegiados, de relacionamentos inteiros. Mas são raros. Os preguiçosos procuraram novas saídas, menos trabalhosas do que mudar. A nudez escancarada, nem mais vendida, mas publicada gratuitamente em quantidade industrial, parece tê-los desanimado... A agressividade de quem precisou aprender a se defender parece tê-los desencorajado... Encontram, com facilidade, em seus iguais ou na virtualidade - esse "quase" -, alternativas à tão dificultosa tarefa de lidar pessoalmente com o que muda o tempo todo, com o que se supera, com o que questiona, com o que se pode viver intensamente, mas que demanda coragem. Ah, essa virtualidade, coisa facilitadora para os relacionamentos... Uma só tecla - delete -, um só comando - bloqueio -, e as desavenças se resolvem "civilizadamente".
            Elas reagem às leis do mercado. Quanto mais rara a "mercadoria", mais cara. Não basta ser bela e competente para conseguir um companheiro. Não direi nem um "bom companheiro", porque já seria querer demais. E elas acreditam que precisam disso, porque desde o berço foi o que lhes ensinaram. Nos contos-de-fadas, nas histórias de princesas, nas brincadeiras de casinha... Não bastasse isso, a que meninas modernas até resistem, a sociedade volta seu olhar torto a toda solitária, a toda celibatária, a toda mulher que não pensa em ser mãe. Há, também entre elas, as corajosas. Mas para que uma mulher se sinta livre como os homens se sentem naturalmente é preciso ter muito, muito mais coragem do que eles. Até porque todo ato de liberdade, quando praticado por uma mulher, é sumariamente julgado pela sociedade.
            Já belas, elas ainda se enfeitam para atingir padrões que possam atrair a atenção de um raro macho alfa. Pode-se atribuir essa obstinação à natureza, à cultura, à publicidade... Talvez seja um fator a se considerar o fato de que, enquanto para eles, cultuar Onã é prática natural desde sempre, para muitas delas, por incrível que pareça, ainda é tabu. Mas, também, por incrível que pareça, muitas ainda consideram que ter um homem a tiracolo lhes confere um status mais elevado... Assim, andam sobre plataformas e agulhas pra alcançar a altura "adequada" e a elegância "necessária". Espremem seus seios em bojos emborrachados pra que seus colos fiquem lindamente estufados e seus mamilos devidamente escondidos. (Percebi recentemente que mamilos marcados sob blusas leves podem ser considerados ofensa pessoal, não só a homens, mas a mulheres!). Maquiam-se, camuflam-se, rejeitam sobremesas, sacrificam-se, gastam com tratamentos sofisticados, perdem a expressão com preenchimentos e botox, entram na faca, negam a própria idade... São capazes de contorcionismos para agradar à plateia enfadada...
            No frigir dos ovos, depois de tantas batalhas vencidas, ganham menos do que eles, nas mesmas funções. Enfrentam tripla jornada e estão sempre cansadas. São culpadas de todas as agressões de que são vítimas, de todos os fracassos familiares, por todos os filhos-problema. Correm, permanentemente, o risco de serem esculhambadas ou agredidas em praça pública por machistas rejeitados, sem que um cidadão, um policial, um anjo da guarda, tome suas dores e interceda a seu favor, covardes de carteirinha, sem pudor.
            São traídas, humilhadas, constrangidas, esbofeteadas, espancadas, estupradas, e assassinadas quando traem ou abandonam companheiros violentos. E, às que se negam a aceitar relacionamentos desiguais, ou se aborrecem com pavonices masculinas, quase sempre resta a solidão.
            Será que algum dia existiu mesmo o convívio amoroso entre homens e mulheres? Será que ainda é possível o gozo compartilhado, não só na cama, mas na vida? Desejos coincidentes, planos comuns, caminhos percorridos juntos, respeito, admiração e carinho? Será que a doçura do amor se perdeu irreversivelmente nesse mundo de competição e revanchismo, ou ainda tem jeito? Será que ainda poderemos escapar de todos os estereótipos modernos, sermos gente e não coisa a ser vendida, encontrar não só sexo selvagem, mas sentir prazer de verdade por estar com alguém?             

                                                                                                                                                                                                                                                   Ana Lucia Sorrentino
                                                                                                                                                                                                                                                        24/11/2015


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Você e Deus


Quem começa a se interessar por filosofia logo percebe que Deus e o Amor são temas recorrentes nos textos filosóficos. 


Em “Amor” André Comte Sponville, filósofo francês da atualidade, afirma ser esse assunto o mais interessante de todos. Contra os que não concordam com essa ideia, Comte argumenta que, mesmo que não estejamos falando de amor, estamos sempre falando do amor que temos por algo ou por alguém. 

Assim como o Amor, Deus parece ser, senão o assunto mais interessante, um assunto quase sempre inevitável para os filósofos. Se ele não for o tema central da reflexão, acabará sendo a causa ou solução para quase tudo que não se consegue compreender ou assimilar. 

Muitas vezes a motivação primeira dos questionamentos filosóficos é um profundo sofrimento por conta de imposições religiosas baseadas em ideias fantasiosas sobre Deus. E não é raro que, na busca pelas suas verdades, o filósofo acabe se enroscando em suas próprias teorias e termine apelando para Deus. Não é muito difícil entender o porquê disso. 

Deus é uma daquelas verdades que encontramos prontas quando chegamos ao mundo. Recebemos essa ideia já elaborada e ao longo de toda a nossa vida, tentaremos entendê-la e estabelecer com ela a melhor forma possível de relacionamento. 

Mal aprendemos a pronunciar “mamãe” e já estamos às voltas com “Papai do céu”. Crescemos convivendo o tempo todo com expressões como “Vai com Deus, Deus é mais, Deus te acompanhe, Deus te ajude, Deus te Guie... Deus castiga. Deus sabe o que faz. Deus escreve certo por linhas tortas. Graças a Deus... Meu Deus!” – Como é que poderíamos conceber com facilidade a ideia de um mundo sem um criador? 

Com todo respeito, e pedindo aos filósofos de carteirinha que me perdoem, eu acho fantástico imaginar que Descartes tenha se torrado os miolos pra concluir que, se havia nele uma ideia de Deus, era porque o próprio Deus havia colocado essa ideia nele. Por acaso Descartes vivia em algum universo paralelo, isolado de tudo e de todos? 

À medida que vamos adquirindo autonomia, passamos a questionar as verdades preestabelecidas e a consequência disso é questionarmos também esse Deus que existiu desde sempre e que suscita tanta polêmica no mundo todo. 

Enquanto muitos se contentam com um Deus herdado outros muitos, pelos mais variados motivos, começam a duvidar dele. Considero natural que em certas fases da vida nos sintamos crentes, enquanto que, em outras, fiquemos céticos. Mudar de opinião faz parte do nosso crescimento. 

Muito longe de pretender aqui defender a existência ou não de um Deus, o que quero propor é que pensemos sobre as confusões que se criam em torno de Deus e da religião. 

Ao longo do ano passado, em vários momentos, durante as aulas de Filosofia Antiga do curso que frequento, percebia-se uma inquietação de alguns alunos quando o professor tocava no nome de Deus. Eles se sentiam incomodados porque, por serem ateus, queriam evitar Deus a todo custo. Num certo momento perguntaram ao professor se quando ele dizia “Deus” estava se referindo ao “Bem”. Aquilo criou uma espécie de saia justa, porque ficou evidente que, a cada vez que o professor fosse usar o nome de Deus, se perguntaria o quanto estaria incomodando aqueles alunos ateus. Desnecessário isso. Será que esse alunos não poderiam simplesmente receber a mensagem e decodificá-la silenciosamente? Se para eles “Deus” significava “Bem”, a questão estava resolvida. Eles poderiam , por algum respeito aos alunos não ateus, deixar isso passar batido. Mas não. Havia ali uma enorme vontade de combater a Deus. 

Certa noite, encontrei a seguinte frase na lousa: “Deus não existe e não faz falta”. E foi então que percebi claramente o quanto havia de ressentimento ali. E a partir desse momento começou a ficar claro para mim que a presença de Deus na vida do ateu é, muitas vezes, algo muito forte. Talvez mais forte do que na vida daqueles que naturalmente aceitam Deus como uma verdade indubitável. Excetuando os ateus que simplesmente não acreditam e para quem isso não constitui problema, muitos ateus parecem ser, na verdade, ressentidos. E se há ressentimento é porque havia uma expectativa que foi frustrada. 

Pergunto: quem gerou essa expectativa? Ouso dizer que não foi Deus. Se existe um Deus, decerto ele nada tem a ver com as fantasias que os homens criam usando-o como justificativa para manipular o ser humano. 

Por conta de tradições religiosas podemos crescer acreditando que Deus é um pai bondoso que jamais permitirá que o mal chegue até nós. Numa barganha que só a razão humana poderia arquitetar, ele nos pouparia da dor e satisfaria nossos desejos em troca de orações, louvores e, quem sabe até de um dízimo. Em algum momento abrimos os olhos e percebemos que não há privilegiados e que o mundo está cheio de dor e de mal. E nos decepcionamos profundamente com Deus. É comum nos depararmos com alguém que, de repente, coloca em dúvida a existência de Deus por conta da morte de um ente querido, ou porque percebeu, num estalo, que há injustiça no mundo. É interessante observar que os insights, na maior parte das vezes, se dão quando a desgraça nos toca bem de perto. Decepcionados, passamos a combater Deus, porque nos sentimos traídos. Mas... pense bem: foi mesmo Deus que nos prometeu um mundo de maravilhas? 

Vamos partir do pressuposto de que Deus exista. Se Deus é uma ideia de supremo BEM incrustada na vida das pessoas ao redor do mundo todo e, portanto, quase unanimidade, é concebível que em nome dele se promova a segregação e o desacordo? 


Embora saibamos que o próprio conceito de Deus é criação do homem, podemos encontrar nele um sentido. Mas, é preciso ter em mente que tudo o que se fala a respeito de Deus é criação do homem. A fértil criatividade humana produziu uma variedade enorme de religiões, cada qual com suas particularidades, defendidas com unhas e dentes por seus adeptos. Decorrem daí as intrigas e disputas religiosas, os jogos de poder e o fundamentalismo, que não raro culminam em guerras. Você acha mesmo que Deus acharia bacana isso? Cada religião pode forjar todo tipo de desculpa para justificar o injustificável. O que é uma contradição inaceitável é que, em nome de Deus, seres humanos fiquem se futricando e se aborrecendo, tentando fazer valer suas próprias convicções. 

Há pouco tempo bati um longo papo com uma mãe de família que apanhara durante 24 anos de um marido desequilibrado. Essa mulher atravessara a vida desejando a separação para tentar, finalmente, ser feliz. Ela conseguiu. Assinou o divórcio como quem recebe uma carta de alforria. Mas, então, o pastor com quem costuma se orientar lhe disse com todas as letras que ela jamais poderia casar-se novamente, porque está escrito na Bíblia que uma mulher divorciada não tem direito a um novo casamento. Percebi nela uma enorme impotência para questionar tal condenação à infelicidade perpétua. Será mesmo que Deus condenaria alguém a viver uma vida apanhando e ainda lhe castigaria com a proibição de viver um novo amor? Afinal, Deus não gosta do amor? É concebível isso? 

Outro dia alguém postou no facebook uma publicação sobre uma súbita implicância das lésbicas com crucifixos em lugares públicos. Seguiu-se ali uma enxurrada de comentários em que se percebia o quanto de confusão existe sobre ser Católico ou Cristão, ser o Brasil um país laico, sobre serem as lésbicas atéias... enfim, uma bagunça. Mas, abstraindo-se as opiniões pessoais, o que restava ali era uma disputa pela posse da razão. E uma agressividade. Mesmo que às vezes velada, uma grande agressividade. Em nome de Deus. 

Lembrei então de um vídeo em que Drauzio Varella dizia, com muita serenidade, que era ateu desde sempre, e que respeitava todos os religiosos, mas percebia uma grande violência dos religiosos contra os ateus. Como se ateus não pudessem ser homens de bem. São equívocos gerados pelas religiões. 

Todas as vezes que questionei os que defendem a Bíblia como verdade absoluta, perguntando-lhes, afinal, quem escreveu a Bíblia, a resposta que tive foi que foram homens inspirados por Deus. Pois é... mesmo que se aceite que a inspiração veio de Deus, o recado foi passado através da razão humana. 

Quando comento com religiosos sobre a dificuldade que tenho em compreender os textos bíblicos a resposta também é recorrente: é preciso de orientação para entender a fundo as mensagens bíblicas. Pois é... digo eu, novamente. Essa orientação virá de quem? De homens que interpretaram a Bíblia e que me orientarão de acordo com suas próprias interpretações, que, na verdade, não são muito próprias, porque eles também tiveram uma orientação prévia. Ou seja: não escapamos da interpretação humana. 

É assim, graças a interpretações humanas, e pelo não questionamento dessas interpretações, que vemos mulheres agoniadas se sentindo culpadas por desejar viver um novo amor. É assim que vemos grupos imensos cantando louvores motivados pela crença de que Deus ficará feliz com isso. É assim que mulheres estupradas ainda precisam passar por verdadeira tortura psicológica para fazer um aborto. É assim que relacionamos prazeres carnais à culpa. E é assim que, em lugar de nos regozijarmos com uma vida plena, passamos a vida nos debatendo entre aquilo que de fato sentimos e aquilo que as religiões pregam. 

E é assim que concluo que as religiões apequenam Deus e promovem a segregação. E que grande parte dos que se revoltam contra Deus está, na verdade, revoltada contra as religiões. 

Minha sugestão é que, já que a ideia de Deus é algo tão forte e plausível para muitos, e inadmissível, mas ainda assim muito forte, para outros, tentemos pensar nisso sem a interferência das interpretações religiosas. 

Podemos olhar o mundo à nossa volta, rever todo o percurso da nossa vida, sentir o que vai dentro de nosso coração, ouvir nossas próprias respostas e concluir algo. Sabendo, de antemão, que somos livres para repensar Deus enquanto vivermos. 

Porque, se há um Deus e se é importante para você compreendê-lo, isso é trabalho seu. 

Isso é entre você e Deus. 


Escrito por Ana Lúcia Sorrentino
em 11/03/2012

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Emoção não tem idade, em qualquer época da vida podemos amar




Preconceitos em geral inibem as pessoas mais velhas e evitam que se apaixonem, namorem com o cônjuge ou encontrem um novo parceiro. Mas é ao atingir a maturidade, depois de muitas experiências, que o idoso domina as frustrações e melhor sabe aproveitar os momentos prazerosos. Idosos devem trabalhar, sair, viajar, dançar, namorar, se apaixonar, ter fantasias. Viver.



O amor, cedo ou tarde, é sempre o mesmo. O corpo pode mudar, mas não os sentimentos. Depois de muitas experiências e também de desilusões, a pessoa mais velha é capaz de amar com intensidade, mas sabendo lidar com as frustrações inerentes a qualquer relacionamento. Ao contrário dos jovens, torna-se menos exigente e sabe valorizar os bons momentos.

Existe um ditado que diz: “Se a juventude soubesse, e se a velhice pudesse”. Hoje, acho que a juventude ainda não sabe, porém a velhice pode. Cinquenta, sessenta ou setenta, até oitenta ou mais - tanto faz. Os exemplos estão por toda parte. Com uma vida saudável, somos iguais ou melhores depois da maturidade.

O terapeuta americano James Hillman (79), junguiano, escreveu em 1999 o livro A força do caráter e a poética de uma vida longa, no qual faz uma abordagem revolucionária sobre a terceira idade. No capítulo sobre o erotismo observa que, à medida que os poderes físicos decrescem, solta-se a imaginação que fica mais forte e extravagante.

Aceitamos com maior facilidade que um homem mais velho tenha vida sexual ativa; nossa reação costuma ser oposta quando se trata de mulher. Afinal, a tradição sugere que, após os sessenta anos, ela cuide dos netinhos ou tricote em casa. Nada contra tais atividades. Mas é perfeitamente possível ser uma avó amorosa, fazer trabalhos manuais (ou outros) e usufruir a presença do marido ou do companheiro, reservando momentos de intimidade para os dois. Viajar, sair para dançar, namorar, tudo está em aberto. Os que estão sem par, como Jack Nicholson e Diane Keaton no filme Alguém tem que Ceder, apaixonam-se com o mesmo entusiasmo que tinham aos vinte ou trinta anos.

No entanto, é comum pessoas mais velhas sentirem culpa por ter fantasias sexuais, ridículas por ainda pensarem em namoro, em encontrar alguém. Acham que precisam justificar-se. Mas homem e mulher necessitam do estímulo adequado e da presença de alguém que também sinta desejo. E, sem as fantasias e a imaginação, nem o Viagra funciona.

Atualmente vemos mães e pais de filhos adultos, casados ou sozinhos, que trabalham ou voltaram a estudar, como pessoas sem idade. No convívio com os mais jovens percebem que não são diferentes. Ao contrário, sua experiência de vida e entusiasmo ajuda a fazer amigos, e o prazer que sentem em participar de grupos de várias idades continua o mesmo. Não sentem necessidade de participar de grupos específicos, os chamados de terceira idade ou melhor idade.

Alguns, é verdade, têm de lutar contra a má vontade dos filhos, que prefeririam a mãe ou o pai em casa, ajudando com as crianças. Passam, então, a ter medo do ridículo. Falta-lhes coragem de viver um romance. Submetem-se: “Isso é coisa de jovem”. Posso garantir que não é terreno exclusivo da juventude. Sentimento não tem idade e é território da alma, que nunca envelhece.

Fomos criados com muitos preconceitos em relação à idade, principalmente as mulheres. “Não fica bem usar roupas coloridas”, ou “lugar de velho é em casa”, ouve-se. Ora, não devemos aceitar que outros determinem a nossa vida. Se quisermos ficar em casa, fazer tricô por prazer, é nosso direito. Mas ficar em casa sentindo-se só, à espera de que a vida passe para agradar aos outros, não faz sentido nenhum. Nossa imaginação continua livre. Podemos criar e concretizar nossos desejos. Na arte, no amor, na vida.

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), no poema Amor e seu Tempo, escreveu: “Amor é privilégio de maduros estendidos na mais estreita cama, que se torna a mais larga e mais relvosa, roçando, em cada poro, o céu do corpo”. E: “Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde”.

Escrito por Leniza Castello Branco

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Momento de Fraqueza

No Paquistão, Malala é baleada por Talibans que julgam ser obscenidade desejar estudar. 

Na África, mulheres continuam sendo circuncidadas em nome de uma cultura de fidelidade forçada. 
Na China, cãezinhos são fatiados e grelhados na brasa, no meio da calçada, para serem gostosamente comidos. 
No Brasil, índios são despejados de suas próprias terras e resolvem se autoextinguir. 
A barbárie impera. 

Pedacinhos de maridos infiéis passeiam dentro de malas por elevadores sociais, meninas bonitas são jogadas pela janela, cuidadoras são flagradas maltratando idosos, babás judiam de nenês, enfermeiros matam pacientes injetando-lhes sopa na veia... Nos quatro cantos do mundo fundamentalistas provocam imensas tragédias em nome de Deus. Aqui, bem pertinho, pastores evangélicos vendem o perdão e as graças divinas como se vende bananas numa feira livre: gritando histericamente, sem um pingo da serenidade que se espera de quem diz ter fé. Fazem do homossexualismo uma gripe espanhola do terceiro milênio e promovem entre política e religião um obsceno acasalamento que nos envergonha mais do que filme pornô de produção fuleira.


Louca pra chegar em casa, circulo pelas desgraças do mundo e percebo o farol amarelo. Como um peixinho que sabe não poder ganhar a liberdade pulando do aquário, aciono lentamente o freio, já sabendo o que me aguarda. Flanelinhas entocaiados surgem de todos os lados na noite paulistana enquanto um traiçoeiro farol vermelho me faz refém. Meu cérebro, já carcomido pelos noticiários ensanguentados de todos os dias, me coloca em estado de alerta. Um rapaz vem, amistoso, e suja meu para-brisa limpo, desenhando nele um coração de água com sabão numa descarada estratégia amorosa de se criar a necessidade para vender o produto. Tudo é tão rápido... Busco uma moeda no fundo da bolsa enquanto ele elogia meu sorriso, e finjo acreditar em sua docilidade, mas sei que se eu só tiver moedas miúdas corro o risco de ouvir algum desaforo ou de coisa pior. Já passei por isso algumas vezes. Ele é rápido, e numa só fechada de farol faz três “vítimas”. Aborreço-me. De pronto minha sirene antiautopiedade dispara, tirando-me o direito de sentir em paz o que estou sentindo. Encho-me de culpa e de vergonha por lamentar coisas tão pequenas quando sei que, na verdade, faço parte de uma minoria afortunada. Afinal, até agora, pelo menos, consegui estudar, fiz bom proveito do meu clitóris, não fui colocada numa churrasqueira nem enfiada aos pedaços numa mala... 


Mas... embora meus horrores particulares sejam pequenos, também me aterrorizam. Tanto nos minúsculos quanto nos imensos horrores, há horror. 



Acelero pra chegar a tempo de, paradoxalmente, me embriagar com a barbárie da absurda “Avenida Brasil”, e esquecer um pouco da realidade. Há que se recorrer a algum escape... Eu não fumo, não bebo, não me drogo, e frequentemente não sei o que fazer comigo mesma. 


Eu quero, quero muito não me lamentar, mas o que sinto grita. O mundo às vezes é constrangedor...

Escrito por Ana Lúcia Sorrentino
em 24/10/2012

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Cuidado com os psicopatas. Eles costumam ser alegres e sedutores



A primeira vista, o personagem Léo, vivido por Gabriel Braga Nunes na novela Insensato Coração, pode realmente confundir algum desavisado. Ele é bonito, charmoso e abusa do romantismo para enganar suas vítimas. Na vida real, os psicopatas também são assim. Por isso, nunca se entregue, nem entregue os seus segredos, a uma pessoa que não conhece direito.


Muitos de nós já ouviram histórias sobre uma tia, avó ou bisavó que herdou uma fortuna, mas perdeu tudo porque o marido jogava ou apostava nos cavalos. Era o famoso “golpe do baú”. Um homem bonito, charmoso, mas sem dinheiro, procurava uma herdeira, “fazia a corte”, ela se apaixonava e casava com ele, a despeito dos protestos de todos os familiares. Ele se dava bem. Ela terminava sem nada, morando “de favor” na casa de algum parente. 

Esse personagem ainda existe, é eterno, um modelo de comportamento. E pode ser pior do que um simples cafajeste. Pode ser um psicopata manipulador, como o Léo da novela Insensato Coração, da Rede Globo, vivido por Gabriel Braga Nunes (39). Por confiar nele, a mocinha Norma, interpretada por Glória Pires (48), foi parar na cadeia. 

Na ficção, a beleza e o romantismo de Léo o ajudam a confundir suas vítimas. Na realidade também é assim. Psicopatas são alegres, sedutores, estão sempre de bom humor. Em geral são vaidosos e fazem ótima propaganda de si próprios. Mentem e sentem orgulho de sua capacidade de enganar. Falam de sentimentos, embora sejam frios. Na sua maioria são homens e têm nas mulheres seus maiores alvos. Elas se apaixonam sem questionar e não pensam nas consequências. Ingênuas e carentes, confiam, abrem o coração, revelam aspectos de sua vida que deveriam ficar guardados. A facilidade atual de se conhecer pessoas pela Internet, em bares e baladas, as torna ainda mais vulneráveis. Quem trabalha muito e está bem de finanças (hetero ou homossexual) muitas vezes não tem tempo para investir na vida afetiva e também vira presa fácil. Conhece alguém na balada e após alguns drinques acaba na cama com o desconhecido. Pode ser roubado, enganado ou até mesmo assassinado. 


Como fazer para não ser uma vítima? Desconfiar, desconfiar sempre. Quando se conhece alguém apresentado por um amigo, quando se sabe um pouco da história de vida da pessoa, é possível confiar. Mas alguém que se conhece num site, num bar ou numa balada é uma incógnita. Primeiro, deve-se marcar encontros em lugares públicos, saber o nome verdadeiro, ter o telefone, conhecer um pouco da história daquela pessoa — e não beber muito nos primeiros contatos, para não perder o controle. Quem é prudente jamais leva um desconhecido para casa. Muito menos conta a ele quanto ganha, o que possui. Só depois de alguns encontros, já de posse de bom número de referências seguras, deve-se ficar a sós com alguém que se conhece assim. E quem já está num relacionamento e desconfia das intenções do parceiro? Se desconfia, geralmente tem motivos: ele pergunta muito sobre sua vida financeira, fala pouco de si mesmo, conta mentiras, esquece sempre a carteira ou perde o cartão na hora de pagar a conta, não diz onde mora ou trabalha. Nesse caso, é melhor enfrentar logo a situação e, no caso de descobrir que as desconfianças eram verdadeiras, ter a coragem de se afastar. 

É claro que podemos ter encontros verdadeiros e até um casamento com alguém que conhecemos pela Internet, na rua ou num bar. Mas sem ingenuidade, com os pés no chão. Dessa maneira, se o destino colocar uma pessoa realmente interessante em nosso caminho, não vamos perdê-la, mas com certeza também não seremos mais uma vítima da novela da vida real.




Escrito por Leniza Castello Branco