O espelho reflete uma silhueta pálida, cansada. Um corpo imóvel, relaxado, branco. Longos cabelos negros, chegando à cintura, parecem pesar demais para o pescoço tão fino. Os seios fartos, de bicos muito grandes, cheios de leite. O ventre ainda inchado. Ela se olha, quase sem se ver. Não a agrada a própria aparência. Suspira. Liga o chuveiro, rapidamente. Entra no banho. A água lhe alivia o cansaço. Fecha os olhos, sente os pingos nos lábios. Serão vinte minutos.
Vinte minutos pra si mesma. Nem pode crer. Ainda não relaxou de todo, esperando qualquer chamado. Habituou-se... Esses minutos devem ser aproveitados, curtidos. Muito xampu, condicionador, sabonete perfumado. Vai fingir que não escuta o marido chamar, o filho maior batendo à porta, o bebê chorando. Que se virem. Ao menos por vinte minutos num dia...
Abre totalmente a torneira, sentindo no peito o jato frio. Arrepia-se. Fecha, e sai pingando pelo banheiro. Enrola os cabelos numa toalha, joga outra atrás do pescoço. Sente o hidratante umedecendo o corpo todo. Está com a barriga flácida, a pele ainda ressentida da gravidez. Ficou imensa... Ouve o choro do pequeno, ao longe. Quase hora de mamar... Podiam pegá-lo, ao menos. A panela de pressão faz um barulho enorme... Será que ninguém sabe que é preciso abaixar o fogo?
Passa o largo pente de madeira pelos fios negros, ensopados. O espelho agora reflete uma palidez limpa, e isso a agrada mais. Já tem a expressão mais descansada, ensaia sorrir de prazer. Está fresca. De um frescor que durará apenas alguns minutos, mas tudo bem. Passa um brilho rosado nos lábios, e faz biquinho, flertando consigo mesma. A TV está ligada no volume máximo. Será que são surdos? É o programa de esportes. O telefone toca insistentemente. O marido grita ao filho que atenda. - É pra mãe! - Assim fica impossível se alienar...
Está pronta, e passaram-se apenas quinze dos vinte minutos com que se presenteia todo dia. Que fazer dos outros cinco? Não deve desperdiçá-los. Olha em volta, não há livro algum pra ler. Senta sobre a tampa do vaso sanitário, encosta a cabeça no azulejo frio. Fecha os olhos. Conta até sessenta. Mais uma vez. E mais uma. Faltam só dois minutos. Cochila. Acorda, sobressaltada. Batem à porta. - Tem roupa pro tintureiro? Ergue-se, assustada. - Não!
Seus vinte minutos se foram. É o limite. Mais que isso, seria luxo excessivo. Nem tem tempo de abrir a porta, porque o marido já o fez. Tem o hábito de abri-la por fora, com a chave do carro. Tão respeitador... O filho despenca banheiro adentro, desesperado pra fazer xixi. O bebê chora. Ela corre, pra lhe pegar. Se veste rapidamente. Dispensa o tintureiro. Desliga o fogo. Tira o fone do gancho. Senta-se em frente à TV, e coloca o bebê no peito. E tenta ainda se manter um pouco alienada, enquanto o bebê mama e o marido, inconsolável, lhe pergunta - "Por quê?, meu Deus! Por quê tem que demorar tanto no banho?"
O que responder?...
Vinte minutos pra si mesma. Nem pode crer. Ainda não relaxou de todo, esperando qualquer chamado. Habituou-se... Esses minutos devem ser aproveitados, curtidos. Muito xampu, condicionador, sabonete perfumado. Vai fingir que não escuta o marido chamar, o filho maior batendo à porta, o bebê chorando. Que se virem. Ao menos por vinte minutos num dia...
Abre totalmente a torneira, sentindo no peito o jato frio. Arrepia-se. Fecha, e sai pingando pelo banheiro. Enrola os cabelos numa toalha, joga outra atrás do pescoço. Sente o hidratante umedecendo o corpo todo. Está com a barriga flácida, a pele ainda ressentida da gravidez. Ficou imensa... Ouve o choro do pequeno, ao longe. Quase hora de mamar... Podiam pegá-lo, ao menos. A panela de pressão faz um barulho enorme... Será que ninguém sabe que é preciso abaixar o fogo?
Passa o largo pente de madeira pelos fios negros, ensopados. O espelho agora reflete uma palidez limpa, e isso a agrada mais. Já tem a expressão mais descansada, ensaia sorrir de prazer. Está fresca. De um frescor que durará apenas alguns minutos, mas tudo bem. Passa um brilho rosado nos lábios, e faz biquinho, flertando consigo mesma. A TV está ligada no volume máximo. Será que são surdos? É o programa de esportes. O telefone toca insistentemente. O marido grita ao filho que atenda. - É pra mãe! - Assim fica impossível se alienar...
Está pronta, e passaram-se apenas quinze dos vinte minutos com que se presenteia todo dia. Que fazer dos outros cinco? Não deve desperdiçá-los. Olha em volta, não há livro algum pra ler. Senta sobre a tampa do vaso sanitário, encosta a cabeça no azulejo frio. Fecha os olhos. Conta até sessenta. Mais uma vez. E mais uma. Faltam só dois minutos. Cochila. Acorda, sobressaltada. Batem à porta. - Tem roupa pro tintureiro? Ergue-se, assustada. - Não!
Seus vinte minutos se foram. É o limite. Mais que isso, seria luxo excessivo. Nem tem tempo de abrir a porta, porque o marido já o fez. Tem o hábito de abri-la por fora, com a chave do carro. Tão respeitador... O filho despenca banheiro adentro, desesperado pra fazer xixi. O bebê chora. Ela corre, pra lhe pegar. Se veste rapidamente. Dispensa o tintureiro. Desliga o fogo. Tira o fone do gancho. Senta-se em frente à TV, e coloca o bebê no peito. E tenta ainda se manter um pouco alienada, enquanto o bebê mama e o marido, inconsolável, lhe pergunta - "Por quê?, meu Deus! Por quê tem que demorar tanto no banho?"
O que responder?...
Ana, que história real.
ResponderExcluirPassei por isso. Hoje sinto saudade - dá para entender?
Eu sabia onde os filhos estavam e nao havia tempo de pensar em mim: escaldar as mamadeiras, um antitérmico fraco depois da vacina,um eterno pano nos seios porque jorrava leite; os choros, fraldas, cobranças e a panela de pressão apitando, apitando... Não era um trém para me levar de vez.
Que bom. Fiquei até o fim...Mais só. Procuro o brilho, um novo brilho na maturidade.
Um beijo, querida.
amei tudo.
Verônica Aroucha
É mesmo assim que funciona... A mulher se dá e cada vez mais, mas é sempre pouco. É necessário que haja momentos de intimidade e reflexão para que se possa recuperar as forças, continuar a sublime tarefa de ser mãe e desfrutar do amor do marido! Bjs!
ResponderExcluirBom, quem nao quer se dar, não casa, né? As mulheres casam, normalmente esperando já por isso, e depois reclamam. Reclamam não, culpam o marido, claro. O que as meninas estão querendo é viver uma situação aonde nao se possa cobrar nada delas e nem lhes fazer alguma critica. Esse mundo não existe. Todos nós passamos por isso, sejam homens ou mulheres. Não existe mundo ideal, nem ser humano. Choque de realidade já!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirCarlos, como você mesmo se intitula, "um jeito tabajara de ver a vida".... realmente este é um modo distorcido de analisar esta situação.
ResponderExcluirO blog fala sobre o feminino, que o ser humano contém, não somente as mulheres.
E a questão colocada na crônica, pode ser vivida por homens e mulheres, em diversos relacionamentos.
O grande problema é que quando as pessoas passam a viver juntas, elam pensam que se tornaram uma só. Isso não é verdade!!!
Você passa a compartilhar com o outro a sua vida e vice-versa.
Você...nunca...jamais...deve se anular para viver ao lado de outra pessoa ou permitir que o outro, seja ele seu companheiro ou um cargo profissional, te retire a individualidade.
Todo mundo tem o direito de se presentear todos os dias com um gesto de carinho e amor próprio.
Eu já tô chocada com a realidade, Carlos! Não preciso de mais choque nenhum. Senão vou ficar que nem aquele cachorro da experiência sobre o qual falei no texto sobre a trivialização da violência...
ResponderExcluirHoje, mais do que nunca, tenho consciência do quanto da vida de uma mulher é gasta cuidando dos outros. Cuidamos do marido, cuidamos dos filhos, mais tarde cuidamos dos pais, já velhinhos... Esse não é exatamente um debate mulheres X homens, mas a verdade é que, uma mulher, pra se dedicar a sua vida profissional, precisa, antes de mais nada, resolver todas as questões administrativas da casa e da família. Enquanto que, na maioria dos casos, o que vejo é que homens se levantam, de manhã, tomam um bom café, e saem pra se dedicar ao seu próprio desenvolvimento profissional, porque há sempre uma mulher, por trás, dando subsídios.
Não queiram me fazer acreditar que isso já não acontece entre mulheres modernas, porque o que vejo é que as mulheres modernas saem, sim, pra trabalhar, mas levando toda uma carga de preocupação com as coisas da família, porque sentem que isso é muito mais obrigação delas que dos homens. E, na verdade, não é que queiram sentir isso. Queriam poder dividir tudo, mas acontece que pros homens não é nada interessante isso. Quem vai querer trabalhar mais, se pode trabalhar menos?
Hoje, homens esperam mulheres que dêem conta de tudo, coloquem dinheiro em casa, se responsabilizem mais do que eles pelas tarefinhas domésticas, cuidem e administrem a vida dos filhos... Que sejam bonitas, gostosas,eficientes... arre!!!!! Somos gente, sabia?
E todo ser humano, seja homem ou mulher, precisa de um tempo pra si mesmo. É o que a Clarissa chama de "voltar pra casa", o absolutamente necessário contato com a própria alma,pra que não nos percamos mergulhados em cumprimentos de obrigações e esqueçamos de quem, de fato, somos!
Olha, concordo plenamente com o que a Bianca escreveu. É isso aí. Acrescentando um ponto que considero importante, é que as pessoas acham que os outros deveriam reagir dentro da relação, da mesma forma com que reagiriam as primeiras caso estivessem no lugar da segunda. Isso dificilmente ocorre, uma vez que sao pessoas diferentes, com criação diferente. É um enfoque errado da empatia entre os pares.
ResponderExcluirRelação é muito dificil, e há de se tomar cuidado no trato com o proximo, o que na maioria dos casos nao fazemos.
A relação precisa ser vista como um projeto de longo prazo. facilita muito, evita desgastes e cobranças desnecessarias.
Ana, essas coisas todas acontecem com os dois. A vida do homem na relação nao é um mar de almirante, um ceu de brigadeiro. A vida do homem nao é simples da forma como voce vê, como já conversamos mais de uma vez. É dificil tambem. Quando eu faço estas colocaçoes que vc nao concorda, faço por que ás vezes parece que voce nao vê o lado masculino na relação.
Ô lareira!!!!!!! Vou terminar da forma que voce gosta: Brax!!!
Carlos, adoro quando vc se empenha, pra comentar seriamente. Isso das pessoas se comportarem de forma diferente, mas esperarem que o outro se comporte como ela imagina que deveria, é fato. Provavelmente se as pessoas se conhecessem mais antes de mergulhar de cabeça no relacionamento, fosse possível se prever esses desacordos... Isso que vc falou, de se tomar cuidado no trato com o próximo, é fundamental, e, por que, na maior parte das vezes, mesmo dizendo amar, as pessoas acabam sendo desatenciosas, até grosseiras?
ResponderExcluirEu sei que vc comenta do seu ponto-de-vista, que é o de um homem que, hoje, faz tudo por si só, não depende nem financeiramente nem de forma nenhuma de nenhuma mulher.
Eu, do meu lado, vejo muito pela minha ótica, pela minha experiência pessoal.. outras pessoas verão de forma diferente... Mas, se você prestar atenção na maioria dos casais, que tem um casamento no formato tradicional, os homens entram no casamento acreditando que terão todos os problemas de administração doméstica resolvidos. E, hoje, quase nunca as mulheres entram nesse mesmo casamento acreditando que terão seus problemas financeiros resolvidos. Aliás, vejo homens exigindo que a mulher não dependa absolutamente dele!
Acaba sobrando muito mais pra elas, o que digo é isso. Não há tempo que dê pra se fazer tudo, e tudo muito bem feito, como todo mundo exige!
Essa é uma outra questão legal pra se conversar: eu vejo que a questão financeira, muitas vezes, se sobrepõe à questão amorosa... :( O que é que tá acontecendo?
E eu não gosto desse Brax! rsrsrsrs........
Beeeijos!!! :)
O convíveo com o outro precisa levar em conta o outro...não só no casamento mas em todas as relações. Não existe o 'implícito' pois ele é visto do ponto de vista da experiência do outro.
ResponderExcluirMeu filho já me disse ao queimar o chuveiro elétrico (depois de 35minutos de água quente caindo) "se você gosta de tomar banho curto, tudo bem. Eu não!" Entendi.
E ele só entendeu quando deixei de trocar o chuveiro e disse "água fria faz bem para o cabelo, deixa brilhoso".
Muitas fezes Ana, os dois sexos tomam atitudes achando que está tudo bem para o outro.
Em que momento se pode abrir mão? Naquele que irá acrescentar um crescimento, uma quebra de padrão que muitas vezes não vemos. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura...mas leva milhões de anos.
Como é que se compartilha com o outro?
Você...nunca...jamais...?
O que é individualidade? Isolamento? Se não abrir mão de alguns "padrões", como conviver com o próximo? O que é relevante? O que podemos abrir mão e que seja benéfico para "nós"?
Qual o termômetro?
Muitas vezes não nos damos conta de que "temos razão" mas que estamos no caminho errado?
Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás?
Não quero ter razão, quero ser feliz?
Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno?
A arte de viver é algo que não tem fim, apenas trajetos.
Uma vez perguntei a filha de um lama tibetano que dava um workshop - "mas se haverá uma era kaliuga onde haverá destruição, do que vale trabalhar para o positivo?"
Ela respondeu - "para equilibrar o caminho e ter menos sofrimento" ... mas principalmente para manter viva a esperança."