quinta-feira, 22 de julho de 2010

Amor Casual

Havia fantasiado aquela situação por tanto tempo, e agora ia rolar. E como sempre, as coisas rolavam quando deixava de planejar... quando desencanava. Estava tão cheia de homens enrolados, se desgastara tanto com pretensos garanhões que na hora "h" saltavam fora, que o que viesse era lucro. Um homem que não tivesse medo de ir com ela pra cama já seria um herói. Todas as vezes que questionara isso claramente, as respostas haviam sido sempre evasivas. Medo? Medo de quê? - eles perguntavam, se fazendo de bobos. Tinha medo, sim, isso era inegável. Medo de não saber o que fazer, medo de não agradar, medo de não gostar, medo da própria performance deixar a desejar... O medo se sobrepujava a tudo: ao amor, ao tesão, à curiosidade... Só queria um pouco de carinho, será que isso era tão complicado? A cena de Um Lugar Chamado Notting Hill, em que Julia Roberts pedia a Hugh Grant que não esquecesse de que ela era apenas uma garota querendo ser amada voltava com frequência à sua mente. Estava uma perfeita Julia Roberts: uma garota querendo amor.

Agora conhecera alguém. Aparentava não ter medo de nada. Espontaneidade a toda prova. A questão da possível brochada parecia simplesmente não existir. Um primeiro contato e uma inegável química detonara um processo irreversível de "querotecomercomamaiorurgênciapossívelpeloamordedeus". Um telefonema atrás do outro. Pressa. Torpedos em profusão. Ansiedade, arrepios, expectativa... Mal dera tempo de raciocinar, e já sentira tudo. Talvez assim fosse melhor... nada de pensar, só sentir. Ia viver o agora, como vinha preconizando há um bom tempo... E o tão afamado sexo casual, que até então só parecia ser vivido pelas protagonistas do Sex and the City deixaria de ser tabu. Por que não? Era o que vinha se perguntando há tanto tempo a respeito disso, e de muitas outras coisas. Não tinha nada a perder... Se bem que, depois dessas reticências sempre havia um pequeno ponto de interrogação... Mas, se nunca fizesse, nunca saberia. Daria a cara a tapa, mas havia de quebrar esse encantamento.

Por uma questão de urgência mesclada à falta de tempo hábil, o primeiro encontro se deu, atabalhoadamente, dentro do carro dele, o que só foi possível graças a um insulfilm absurdamente fora dos padrões seguros. Com certeza, quando fossem pra algum lugar melhor, seria mais prudente ir com seu próprio carro... Se policiou pra não começar a raciocinar demais, e não pôr tudo a perder.

Depois de alguns longos segundos em que ele parecia ter sido acometido por alguma espécie de paralisia, olhando-a, com um sorriso de encantamento, ela o estimulou a beijá-la, perguntando-lhe se não era isso o que dissera, repetidas vezes, por celular, estar louco pra fazer. Ele avançou nela como um desidratado numa jarra d' água. Não só beijou. Beijou, lambeu, mordeu, chupou, apalpou... Deus do céu... foi o que ela pensou, imaginando que ele devia estar enfrentando uma seca pior do que a dela, talvez há mais tempo... coitadinho... Deixou, deixou sem reservas, em total abnegação.

Nos intervalos entre um abraço e uma futura mancha roxa, teve oportunidade de fazer algumas perguntas-chave. Quantos anos você tem? A constatação de que ele era quinze anos mais novo que ela a transformou, numa fração de segundos, em pedófila. De onde você é? A origem nordestina projetou, instantaneamente, em sua imaginação fértil, o quadro de uma vida de sofrimento. Pôde vê-lo, retirante, chegando a Sampa com a cara e a coragem, e, provavelmente, mal alimentado. Perninhas finas e bambas... E finalmente: você ainda tem mãe viva? Nooossa... saber que ficara órfão de mãe aos dois anos de idade foi o golpe fatal. Chegava a ser covardia... se pudesse, o adotaria ali, naquele exato instante. O levaria pra casa, lhe daria um pratinho de sopa quente, e o colocaria numa cama quentinha... Coitadinho...

Saiu do carro amarrotada, se recompôs rapidamente, ajeitou os cabelos desgrenhados e foi pra casa pensando. Pensando não. Sentindo. A pele dele era macia, a boca gostosa, o desespero estimulante. Até que isso podia ser bom...

O segundo encontro começou estapafúrdio. Ele vinha de dois plantões de doze horas, seguidos. Tivera apenas uma hora para descansar. O constrangimento dele por ser ela dirigindo não cabia dentro do carro. O lugar que ela escolhera, a dedo, pra que tudo desse certo, foi rejeitado por ele, cuja ansiedade parecia não permitir que se fosse a algum lugar além da esquina. Quando ela sugeriu à recepcionista que lhes oferecesse alguma cortesia, a aflição dele fez com que se arrependesse imediatamente, pois, a seus olhos, ela devia ter extrapolado todos os limites da ousadia.

Depois de uma inspeção prévia em todos os cantos do quarto, ela pediu uns minutos e entrou no banheiro. Tudo parecia meio fora de lugar e não tão limpo quanto deveria. Resolveu passar por cima e curtir o momento. Não era pra isso que estava ali?

Saiu do banheiro, já enrolada numa toalha, e o encontrou mais do que pronto. E, no primeiro abraço, já querendo mergulhar nela, ele soltou uma frase que de tão proibida para a ocasião lhe pareceu quase pornográfica: eu tô morreeendo de medo de gostar demais de você e você só me querer pra sexo.

Ela se liquidificou. Seu estado passou de sólido pra gasoso e seu corpo se transformou num instrumento de caridade. Faça, faça o que quiser... Ele devia ter uma vida tão dura, bem que merecia possuir uma mulher sem restrições, sem muita frescura... Era tão jovem, provavelmente nem devia ter muita experiência naquilo que estava fazendo... Tão viril e forte, tão desesperado e agressivo... Ela previu que estaria quebrada no dia seguinte.

Ele dormiu profundamente. Ela o abraçou e, embora não tivesse sono, acabou cochilando, embalada pela respiração forte provocada pela exaustão dele. Pela janela se percebia a tarde cair e uma chuva gostosa serviu de trilha sonora pra aquele momento tão diferente de tudo o que previra em suas malucas fantasias de mulher em abstinência. Olhou o corpo jovem dele, e viu que, ainda ressonando, ele estava de novo pronto. Sorriu. Brincou com ele. Ele reagiu de imediato, como se estivesse acordado o tempo todo. Era um garoto... Que a usasse, como bem quisesse... Havia pouco tempo agora. Logo ele teria que ir pra outro turno de seu trabalho tão sacrificado. Coitadinho...

Na volta, estavam calados e ele se preocupou em lhe perguntar se estava tudo bem. Ela assentiu, com um sorriso. Despediram-se com beijinhos na boca, como se fossem namorados. E ela o deixou, penalizada por não poder estar mais um pouco ao lado dele, talvez adoçando um pouquinho sua vida, que parecia ser tão dura...

De repente, percebeu que esquecera por completo de si mesma. Nem lembrara de seu próprio prazer, de suas carências, de seus desejos há tanto macerados... Ele não fora nada generoso com ela na cama... mas estava se sentindo agradecida. Ele lhe dera, de pronto, a experiência de que tanto precisava para conhecer um pouco mais sobre si mesma. O quê, por exemplo? - se perguntou, sorrindo. Numa primeira análise, que ainda podia ser muito desejada... E que, provavelmente, nunca saberia fazer sexo casual. Aliás, estava tendo a sensação de que acabara de inventar uma nova modalidade, da qual nunca ouvira falar: o amor casual. Casual, sim. Mas não sexo. Amor.



5 comentários:

  1. Amiga adorei!!!!!!!!!!Impossível não dizer q em alguns aspectos consigo até me identificar com uma situação vivida.Estou adorando seu blog.Bjos

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pelo convite.Gostei do texto...Saúde e paz!!!

    ResponderExcluir
  3. Estou vindo do post “Tentação”, e, sem querer fazer trocadilho, rsrs... me vejo tentada a unir meu comentário de lá com o de cá. Lá, terminei falando de amor. E de como usar esse amor, que nos é inato, de forma positiva.
    Vejo a menina ruiva, daquele post, numa hipótese mais feliz, crescendo e percebendo que é cisne. Encontrando sua própria turma, orgulhosa de si mesma, assumindo ideias próprias. E se permitindo a aventura de agir fora de padrões preestabelecidos.
    A menina ruiva esqueceu o basset que virou a esquina, entendeu que sua alma, às vezes, pede coisas que não estão em nenhum manual de boas maneiras, e não teme experimentar. Se aventura a assediar, a conquistar, talvez até a predar... Afinal, se pergunta: se homens são capazes de fazer isso com tanta naturalidade, por que não tentar? Vai que é bom... ;)
    Lá vai a personagem de Amor Casual, cheia de vontade de viver algo exclusivamente sexual, lúdico, descomprometido. E descobre, ao final, que não é e nunca vai ser um basset ruivo, que dobra a esquina sem olhar pra trás. Que sua alma pede a aventura, e pode até tê-la, mas vai ser sempre uma alma de mulher, uma alma amorosa.
    Mas... que bacana já saber administrar isso com menos medo, mais liberdade... 
    Porque, embora sejamos amor, é preciso que tenhamos consciência de que amor, em essência, É LIBERDADE.
    E, de onde tiramos que esse amor tem que ser administrado por regras que não fomos nós que criamos?
    Quem tem que ditar quem amamos, como amamos, porque amamos, é nossa alma, nosso coração.

    Quando vivemos nosso amor de forma mais livre e desinteressada, sem nos importarmos com aqueles que querem regrar algo divino, sem usá-lo como instrumento de barganha para conseguir o que queremos, e sem exigir reciprocidade obrigatória, começamos a entender o que, de fato, é o amor.

    ResponderExcluir
  4. criativo , mas o importante é viver o real

    ResponderExcluir
  5. Li e confesso que não esperava esse final; afinal a personagem é analítica demais rsss
    Mas adorei. Amor casual no caso dela foi muito bom.

    Beijos!

    ResponderExcluir