segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Uma tarde com Fanny Abramovich – parte 1

“Ler é pão. Ler é pele.” Fanny Abramovich
Cheguei à casa de Fanny Abramovich para entrevistá-la.
Ela me deixou uns minutos na sala. A sala? Transpira teatro. Uma parede de livros, um bumba meu boi voando perto da janela, um cabide antigo de deixar chapéus e guarda-chuvas com um espelho no meio. Rio comigo mesma. Meu avô tinha um. Eu gostava de passar por ele para ver a minha altura. No começo nem o meu cabelo aparecia no espelho, depois fui vendo a testa, aí os olhos e o nariz aparecendo, até que um dia o rosto todo apareceu. E anos mais tarde, eu tinha de me abaixar para olhar meu rosto.

Não tem jeito! Fanny entende de criança, criança de todas as idades. Não é à toa que é uma grande pedagoga, sempre questionando o que há de arcaico nas escolas: a falta de criatividade, de humor e amor. Coordenou a Coleção Buscas em educação por duas décadas. Sem dúvida a melhor coleção no gênero.

Fui olhar as estantes: diga-me o que lês e te direi quem és. Achei Margareth Atwood, Marina Colasanti, Millôr Fernandes, Woody Allen, Fernando Sabino, Paul Auster, Phillip Roth, Patrícia Highsmith, Rosemunde Pilcher, Edna O´Brian, Drummond, Sylvia Plath, Marcos Rey, Sylvia Orthof e um batalhão de livros de Livia Garcia Roza, entre tantos outros. Eu a peguei na fase “Roza” justo nessa ocasião. Assim é Fanny, sempre em sintonia com o mundo.

Lá vem ela, agitada, pimentinha que só. Sentamos a uma mesa. Perguntei da sua relação com as histórias. Ela disse que veio do berço!?! Sua mãe contava histórias no berço – cantigas, contos de fadas e declamava poesias. Aí ela foi contando da mãe, Elisa Kauffman. Que mulher! Comunista, ativista, professora, diretora do Ofidas (Organização Feminina Israelita de Assistência Social), hoje conhecida como Unibes. Filha de imigrantes vindos da Bessarábia. De Pernambuco veio viver no Bom Retiro.
Casa-se com Francisco Abramovitch, argentino e tem duas filhas: Irene e Fanny. Uma mulher forte, batalha pela justiça social. (E olha que uma mulher ser comunista de carteirinha naquela época, não era brincadeira e ainda por cima grande admiradora do Luis Carlos Prestes. O pai dela foi corajoso, eu acho).

Em 1947 foi eleita a primeira vereadora do Partido Comunista em São Paulo! Pasmei – ploft (quase desmaiei). A mãe dela foi diretora do Sholem, a primeira Escola Israelita Brasileira, aberta inclusive às crianças brasileiras e cujo método pedagógico desembocou no Colégio de Aplicação da USP e no Centro Experimental da Lapa. E arremata: “a pedagoga lá em casa foi minha mãe, eu fui pouco perto dela.” Discordo com meus botões. Cada uma a seu tempo, ora.

Elisa foi amiga muito próxima de Tatiana Belinky. Em um belo depoimento ela afirma: Elisa “tinha paixão por literatura. E eu também.” A mãe morre relativamente cedo, seu enorme exemplo de luta e força virou um legado para as filhas. E Fanny continuou ouvindo histórias só que as contadas pela avó da Bessarábia, que misturava Ídiche com Português. Histórias tão malucas, no dizer de Fanny, incríveis contos russos, que ela só entendeu melhor sobre as histórias quando conheceu os quadros de Marc Chagall. E eu logo imaginei que quando ela deu de cara com os livros da Sylvia Orthof, ilustrados por Tato Gost, deve ter achado que eles eram o retorno das histórias de sua avó mescladas com as da mãe. Que doideira, como diria Orthof.

Porque Orthof tem histórias de príncipe que vai trabalhar na feira para conhecer a realidade da vida (ver “Uxa, ora fada, ora bruxa”), pastora que não quer saber de viver na realeza (ver “Ervilina e o princês”) que devem lembrá-la de Prestes, o cavaleiro da esperança. E a mesa de botequim que passa da vida em boteco para casa de madame (a mesa está de ver-da-de na sala da Fanny, certo?!) - ver o livro “A mesa de botequim e seu amigo Joaquim”. (Obs: esses livros, caras leitoras, só no site da Estante Virtual, viu?) E claro, como toda imigrante, a avó contava de sua viagem feita em 1919 da América até Pernambuco. (Essas histórias são fabulosas. Fortes, na forma de testemunho de vida, de gente que se atirava pelo mundo para lugares completamente desconhecidos, com uma gana incrível para recomeçar a vida).

Por Ana Lúcia Brandão

continua...

Um comentário:

  1. Trabalho na EMEI Profª ELISA KAUFFMANN ABRAMOVICH, e achei essa história muito importante pois estou lá já faz 5 anos e não conhecia nada sobre ela, não imaginava como era esta grande mulher.

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