quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A história do Barba-Azul - Parte 2/3

Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente: - Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é o aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.

As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada. Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.

- Talvez essa chave não sirva para abrir nada - Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho - errrrrrr.
Deram uma espiada na esquina do corredor e - que surpresa! - havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.
- Irmã, irmã, traga sua chave - gritou uma delas - Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa.
Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.
- Irmã, irmã, traga uma vela. - Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco mais para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.

Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!

A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.
- Oh, não! - exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.

A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha, pois a chave vertia lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.
- Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina - ordenou ela à cozinheira. Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após a outra se sangue vermelho.

Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.
- Ai, o que vou fazer? - lamentou-se ela. - Já sei, vou guardar a chave. Vou colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo.

E foi o que fez.
O marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela esposa.
- E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?
- Tudo bem, senhor.
- Como estão minhas dispensas? - trovejou o marido.
- Muito bem, senhor.
- E como estão meus depósitos de dinheiro? - rosnou ele.
- Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.
- Então, tudo está certo, esposa?
- É, tudo está certo.
- Bem - sussurrou ele - então é melhor devolver minhas chaves.
Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.
- Onde está a menorzinha?
continua...

Por Suely Laitano Nassif

2 comentários:

  1. Esta parte da história é para lembrar que quem casa, casa e recebe a família junto. Vem a sogra, o sogro, os cunhados, as cunhadas, os sobrinhos, o cachorro, o papagaio e o gato.

    As irmãs, no caso, as cunhadas do Barba é o pivô do desmoramento do relacionamento. Elas provocam o racha no relacionamento. Elas querem desvendar o segredo do Barba.

    Para o Barba a chave está nas mãos de uma pessoa que ele confia. Mas, nas mãos das cunhadas, ela é apenas UMA CHAVINHA qualquer.

    Porém, quando descobrem o segredo do Barba, elas fogem, e deixam a irmã nas mãos do Barba, e se escondem. Querem se eximir. Querem se ocultar, querem passar por inocentes, como se nada tivessem feito.

    Fica para a esposa, o fardo de ocultar as faltas da sua família junto ao Barba. Oculta a chave. Esconde. Mente, e tenta de tudo...

    A autora deturpa a história basta retirar a palavras: TROVEJOU, ROSNOU, pois, é contrário por exemplo a palavra: Bem - SUSSURROU ele. O sentido é outro.

    O Barba faz perguntas!

    Somente ao perceber a falta da chave menor é que ele toma atitude. Eis as perguntas do Barba Azul:

    - E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?;
    - Como estão minhas dispensas?;
    - E como estão meus depósitos de dinheiro?;
    - Então, tudo está certo, esposa?;
    - Bem! Então é melhor devolver minhas chaves.
    - Onde está a menorzinha?

    O Barba muda de atitude por causa de que?
    Quem é que não se irrita com a invasão de seus segredos? Quem é que não se revolta com a intromissão de cunhados e cunhadas, sogros e sogras?

    O que aconteceria se a esposa falasse a verdade sobre o que aconteceu? O Barba agiria da maneira que agiu contra ela ou se voltaria contra as cunhadas?

    Neste caso, ela, para proteger as irmãs, assume ter aberto a sala, ter sumido com a chave...

    È o que acontece nos casais, porém a autora, joga toda a situação no BARBA AZUL, como o GRANDE VILÃO DA HISTÓRIA.

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  2. estou vendo o seriado Gabriela do autor Jorge Amado. Um escritor que coloca as relações sociais em evidencia! Uma cena me chama a atenção: A morte da Sinhazinha porque era amante do homem na qual ela se sentia a vontade (para dizer o minimo) o costume da época eram (e de certa forma vivemos isto até os dias de hoje com outra roupagem) que um homem tem que se honrar se é corneado.Detalhe que ele não demonstra a minima atenção ao que ela sente; ele quando bem entende vai ao prostibulo Bataclan e ela em casa cuidando de suas obrigações de esposa. O fato é que pela moral e bons costumes da época matar,ferir a mulher não é crime. e o enredo feito os capitulos se seguem com ideias sobre "mulher não se bate", "é direito do homem fazer o que quiser", "matar por honra não é crime", "mas foi tirado uma vida" e por ai vai....A cena complementar é que as discussões são feitas ao pé de ouvido,entre linhas para ninguem ouvir aqueles que descordam dos costumes. O fato neste caso de Barba Azul é muito atual, é a verdadeira hipocrisia de que se comigo está tudo bem e o "mal" não foi a mim então ok. A questão não é achar culpado e inocente,creio que já passamos desta fase e pouco evoluimos emocionalmente em quanto convivio social. Familia (irmãs,tias,tios,pais) tem sim em como seu papel de ser humano perceber o outro e identificar se está tudo bem ! caso não esteja uma boa conversa ou investigações sobre um possivel comportamento anormal (o quarto da chavinha) deve ser olhado,falado isso evita sim assassinatos e espancamentos. No mais, talvez haja uma necessidade dos homens falarem, sairem do entorpe emocional que lhe foi imposto de que homem não sente,não chora e é criado para dar conta de tudo...outra falacia!

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