quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cadê a maravilha da minha Alice?

Tanto se falou na obra de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas. Sob o aspecto histórico, psicanalítico; cinematográfico, diante do atual empenho de Tim Burton, promete mais revelações. História riquíssima em simbolismos. Nunca tão atual se tomarmos o drama da protagonista adolescente Alice.

Entediada, ela diz:

“Se esse mundo fosse só meu, tudo nele seria diferente.
Nada era o que é, porque tudo era o que não é.
Tudo o que é, por sua vez, não seria;
E o que fosse, seria.”

Deixemos a adolescência de lado e vejamos o mundo da mulher moderna: com um, dois ou três filhos, um trabalho exaustivo, um marido que requer seus cuidados, as tantas cobranças e necessidades domésticas, estéticas, familiares, organizacionais, sociais, ufa! A fala de Alice é o desejo inibido.

Alice segue, então, o coelho branco com um relógio de bolso. Agitado, ele clama:

“É tarde! É tarde! É tarde até que arde!
Ai, ai, meu Deus! Alô, adeus! É tarde, é tarde, é tarde!”


Na fábula moderna, dessa mulher que acompanhamos diariamente, o coelho apressado é recorrente. Significa a crua hora, minuto após minuto, exígua para a solução das demandas do seu mundo. Ao entrar no buraco atrás do coelho ela não põe em prática o sonho do desejo inicial, mas entra numa roda viva de afazeres e de perspectivas irrealizáveis. É sempre tarde no buraco imaginário da mulher moderna.

Nesse espaço virtual de hoje, a Alice está seduzida por um mundo paralelo, o qual jamais alcança. Deseja que tudo fosse ao contrário. Deseja paz. Deseja que o tempo não lhe escape. Ela segura um espelho, mas não reflete a própria imagem interna, pois não há tempo para vê-la. Não há maneira de romper com o contemporâneo pré-estabelecido. A Alice moderna tem que ter tudo sob controle. Ela precisa de tudo planejado. É uma busca “ardida” pelo equilíbrio imposto. Nada gera questionamentos: apenas resolvem-se os Alôs, Adeus, porque é tarde até que arde!

Então você pergunta para a Alice dos dias modernos: “você é feliz?” E ela dirá que, claro, é muito feliz, realizada em tudo, porque tem seu dinheiro (trabalha por prazer), tem seus filhos (todos educados), tem seu corpo (gordurinhas possíveis), tem um marido (aquele fiel). “A Alice tem um espelho?” − perguntamos, enfim. Ela hesita na resposta. Citaremos então Hampty Dumpty quando ensinou a Alice o que realmente é importante:

“Quando eu uso uma palavra − disse Humpty Dumpty num tom escarninho − ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos.
A questão, − ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
A questão, − replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso.”


O espelho ficou pra trás. A Alice contemporânea não pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. O desejo inicial, se o mundo fosse meu tudo seria diferente, se esvaiu perante o relógio louco, frente à dureza de ser igual e caber num poder necessário.

Lá pelas tantas, a essência fala. A mulher moderna perde o controle. A Alice grita e se descontrola diante do mundo frígido e gelado. Quando vê, inevitável, seu reflexo no espelho ela quer visitar uma Lebre de março ou um Chapeleiro Louco.

“Tanto faz a direção, visite quem você quiser. − disse o Gato para Alice − São ambos loucos.
Mas eu não ando com loucos − observou Alice.
Oh, você não tem como evitar − disse o Gato − somos todos loucos por aqui.
Eu sou louco. Você é louca.
Como é que você sabe que eu sou louca? − disse Alice.
Você deve ser − disse o Gato, − senão não teria vindo para cá.”


A mulher moderna, sem espelho, sem seu reflexo, dura e ditatorial nos seus valores, habita (cedo ou tarde) um mundo de loucos. Suas palavras nunca poderão ser diferentes. Grudada apenas em mostrar quem manda.

O espelho da Alice permite e acolhe a diferença. Como diz uma amiga das mais queridas:

“Sabendo o que queremos, é mais fácil eliminarmos as coisas que estão sobrando. Eliminando as que estão sobrando, fica mais fácil, ainda, cuidarmos das que permaneceram. E então, entendemos o que é prioridade.”

Na Alice, hoje, não há o quê pôr como sobra. O coelho não quer, Humpty Dumpty não deixa e ficar louca como gatos, lebres ou chapeleiros é uma heresia. Nem se fale noutros diálogos com rainhas e lacraias do País das Maravilhas.

Não há espelhos d’alma. Tudo é prioridade, tudo é urgente.
Não há o que fosse seria hoje em dia.

Fonte:
http://mapadepalavras.blogspot.com/2010/01/cade-maravilha-da-minha-alice.html

Por Renata Quirino de Sousa

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