sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MULHERES LEITORAS: História-Convite


Entre o surgimento e o acolhimento do gênero do romance pela sociedade burguesa do mundo ocidental, ou seja, fins do século XVIII e o decorrer do XIX, as mulheres se destacam por cultivar o gosto pela leitura. Elas rapidamente inserem a leitura entre ou após os seus afazeres domésticos e no caso de algumas, entre os afazeres profissionais.


No Brasil, a Família Real chegou em 1808 e somente com a sua permissão ocorre o desenvolvimento da imprensa. Surgem então os primeiros jornais a circular nas cidades como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. O pesquisador e professor da USP, Ivan Teixeira, em seu livro genial intitulado O altar e o trono dedica um capítulo inteiro esmiuçando os requintes que o jornal “A estação” estabelece na sua relação com as mulheres letradas. “A estação” foi publicado no Rio de Janeiro a partir de 1881 e dedicou uma seção à Literatura Brasileira, publicando assim, obras de Machado de Assis como “O Alienista”, a novela “Casa Velha”, o romance “Quincas Borba” e mais de trinta contos. A tradução de “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, foi editada pela primeira vez também nesse jornal.

Machado de Assis colaborou dezenove anos em “A Estação” (1879/1898). Esse jornal foi fundado por Henri Gustave Lombaerts sob o nome “La Saison – Jornal de Modas Parisienses”. Abaixo do título, na primeira página informa: “Dedicado às senhoras brasileiras”. Após oito anos de traduções de matérias alemãs e francesas, o jornal assume uma parte literária redigida no Brasil em 1879! Foi quando adotou o nome “A Estação”.

A familia Lombaerts imigrou da Bélgica e implantou no Rio de Janeiro uma tipografia e encadernadora. Depois montaram a maior litografia do Brasil no Segundo Reinado. Foi quando fundaram essa publicação cuja identidade baseia-se nas artes visuais e na literatura. Para manter o periódico, os donos apresentavam uma grande variedade de anúncios, como remédios, roupa, produtos de beleza e instrumentos musicais – em lojas brasileiras e francesas. Outra seção do jornal é a “Chronica da Moda” que fala sobre tecidos, roupas e chapéus, com ênfase sobre o tema do comportamento, da formação da pessoa e do convívio familiar. O jornal promove a elegância e a informação. Diz o jornal que: a leitora deveria ser elegante sem ser néscia ou antipática. E ainda enfatiza que a graça exterior depende da projeção de um espírito forte e fundado em noções de ética e de boa formação cultural. (grifo meu)

Machado de Assis instrui as leitoras e as diverte com suas ironias e denúncias contra as presumíveis imperfeições da classe dominante – denúncias e ironias que a própria elite imperial também admirava. Durante saborosa análise sobre a forma e conteúdo desse periódico, Teixeira aponta que um dos componentes importantes desse projeto foi a incorporação da mulher aos quadros de percepção crítica da vida, convertendo-se em leitora ativa e culta, participante dos debates vivenciados pelo Segundo Reinado. De que maneira? Segundo inúmeros artigos, combatendo o luxo e o dinheiro como fator exclusivo de elegância, promovendo a idéia de sobriedade e de combinação pessoal como origem de bom gosto e de modernidade. E claro, toda essa concepção se une à literatura de Machado de Assis, que então se impunha como o mais agudo escritor do Brasil.

Nesse momento temos o arremate final entre os conselhos dados às mulheres e à literatura de Machado de Assis em “O Alienista”. Partilhando da visão do jornal, o narrador de “O Alienista” defenderá igualmente o equilíbrio no uso do idioma enquanto aponta que a perda de comedimento será entendida como loucura ou desvio reprovável de comportamento. Incrível isso! Um prato cheio para os psicólogos, não é mesmo?

Depreende-se daí que Ideologia, Política e Cultura sempre caminharam juntas nesse país... Duas décadas mais tarde, Monteiro Lobato compra a Revista do Brasil e percebe que há um público leitor ávido por consumir leitura. E antenado com seu tempo abre uma editora e publica como nunca, livros com tiragens nunca antes imaginadas.

Lobato une seu trabalho de jornalista de “O Estado de São Paulo” em fins dos anos 10 com o de escritor de “Urupês”, um sucesso absoluto de público e crítica. Talvez devido ao sucesso prematuro enquanto escritor para adultos ou já prevendo um novo desafio pela frente, ele resolve dedicar sua escrita ao seu projeto de formar leitores pensantes: surge o sítio do Pica-pau Amarelo. Lá, ele cria uma república feminista com Dona Benta detentora de conhecimentos nas áreas de Política, Economia e Filosofia, conhecimentos esses de interesse majoritariamente masculino. Dona desses conhecimentos ela opina sobre o Petróleo, o Ferro e os desatinos da guerra. Até critica os coronéis, donos do café paulistano... Ele cria ainda a boneca Emília, um ser bonecal que vira gente depois; curioso e inconformado com qualquer tipo de conhecimento ou realidade imutável, a ponto de mudar a ordem da natureza. Cria Narizinho que ouve histórias, vivencia aventuras e sempre absorve bem o mundo ao redor e para completar põe a Tia Nastácia nesse lugar mágico, que além de fazer bolinhos de chuva que agradam paladares, os mais exigentes como o de São Jorge e do Minotauro, é um baú de histórias e conhecimento popular. Como Lobato manteve intensa e extensa correspondência com seus leitores vida afora, a ponto de inseri-los como personagens em seus livros, eu arrisco dizer que ele sabia que grande gama de leitores seus pertencia ao universo feminino. Nisso ele esteve à frente junto à Machado de Assis e Aluísio de Azevedo (que incentivou, em “A Estação”, o estudo da medicina exercido por mulheres).

Aí tomamos o pó de pirlimpimpim e por volta de oitenta anos depois, eu ouço o escritor africano Agualusa, em entrevista à Marília Gabriela, afirmar que seu público maior é composto por mulheres! E ainda contou que seu público leitor, na grande maioria, é de leitoras de fora de seu país de origem. As mulheres hoje trabalham fora de casa, dentro de casa, acham tempo para tanta coisa como ler e viajar. O papel da mulher mudou tanto através das décadas e ela continua sendo o motor e a razão da existência da vida literária. Afinal, vale a pena pensarmos no papel da ficção em nossas vidas e a literatura está aí para confirmar essa importância. Portanto, por essas e outras razões que ainda desconheço, mas que me serão reveladas ao longo desse blog-percurso, que surgiu essa proposta sobre “Mulheres leitoras”.

Contamos com sua leitura, palpite, crítica e tal, certo leitora?

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