sexta-feira, 28 de junho de 2013

Você e Deus


Quem começa a se interessar por filosofia logo percebe que Deus e o Amor são temas recorrentes nos textos filosóficos. 


Em “Amor” André Comte Sponville, filósofo francês da atualidade, afirma ser esse assunto o mais interessante de todos. Contra os que não concordam com essa ideia, Comte argumenta que, mesmo que não estejamos falando de amor, estamos sempre falando do amor que temos por algo ou por alguém. 

Assim como o Amor, Deus parece ser, senão o assunto mais interessante, um assunto quase sempre inevitável para os filósofos. Se ele não for o tema central da reflexão, acabará sendo a causa ou solução para quase tudo que não se consegue compreender ou assimilar. 

Muitas vezes a motivação primeira dos questionamentos filosóficos é um profundo sofrimento por conta de imposições religiosas baseadas em ideias fantasiosas sobre Deus. E não é raro que, na busca pelas suas verdades, o filósofo acabe se enroscando em suas próprias teorias e termine apelando para Deus. Não é muito difícil entender o porquê disso. 

Deus é uma daquelas verdades que encontramos prontas quando chegamos ao mundo. Recebemos essa ideia já elaborada e ao longo de toda a nossa vida, tentaremos entendê-la e estabelecer com ela a melhor forma possível de relacionamento. 

Mal aprendemos a pronunciar “mamãe” e já estamos às voltas com “Papai do céu”. Crescemos convivendo o tempo todo com expressões como “Vai com Deus, Deus é mais, Deus te acompanhe, Deus te ajude, Deus te Guie... Deus castiga. Deus sabe o que faz. Deus escreve certo por linhas tortas. Graças a Deus... Meu Deus!” – Como é que poderíamos conceber com facilidade a ideia de um mundo sem um criador? 

Com todo respeito, e pedindo aos filósofos de carteirinha que me perdoem, eu acho fantástico imaginar que Descartes tenha se torrado os miolos pra concluir que, se havia nele uma ideia de Deus, era porque o próprio Deus havia colocado essa ideia nele. Por acaso Descartes vivia em algum universo paralelo, isolado de tudo e de todos? 

À medida que vamos adquirindo autonomia, passamos a questionar as verdades preestabelecidas e a consequência disso é questionarmos também esse Deus que existiu desde sempre e que suscita tanta polêmica no mundo todo. 

Enquanto muitos se contentam com um Deus herdado outros muitos, pelos mais variados motivos, começam a duvidar dele. Considero natural que em certas fases da vida nos sintamos crentes, enquanto que, em outras, fiquemos céticos. Mudar de opinião faz parte do nosso crescimento. 

Muito longe de pretender aqui defender a existência ou não de um Deus, o que quero propor é que pensemos sobre as confusões que se criam em torno de Deus e da religião. 

Ao longo do ano passado, em vários momentos, durante as aulas de Filosofia Antiga do curso que frequento, percebia-se uma inquietação de alguns alunos quando o professor tocava no nome de Deus. Eles se sentiam incomodados porque, por serem ateus, queriam evitar Deus a todo custo. Num certo momento perguntaram ao professor se quando ele dizia “Deus” estava se referindo ao “Bem”. Aquilo criou uma espécie de saia justa, porque ficou evidente que, a cada vez que o professor fosse usar o nome de Deus, se perguntaria o quanto estaria incomodando aqueles alunos ateus. Desnecessário isso. Será que esse alunos não poderiam simplesmente receber a mensagem e decodificá-la silenciosamente? Se para eles “Deus” significava “Bem”, a questão estava resolvida. Eles poderiam , por algum respeito aos alunos não ateus, deixar isso passar batido. Mas não. Havia ali uma enorme vontade de combater a Deus. 

Certa noite, encontrei a seguinte frase na lousa: “Deus não existe e não faz falta”. E foi então que percebi claramente o quanto havia de ressentimento ali. E a partir desse momento começou a ficar claro para mim que a presença de Deus na vida do ateu é, muitas vezes, algo muito forte. Talvez mais forte do que na vida daqueles que naturalmente aceitam Deus como uma verdade indubitável. Excetuando os ateus que simplesmente não acreditam e para quem isso não constitui problema, muitos ateus parecem ser, na verdade, ressentidos. E se há ressentimento é porque havia uma expectativa que foi frustrada. 

Pergunto: quem gerou essa expectativa? Ouso dizer que não foi Deus. Se existe um Deus, decerto ele nada tem a ver com as fantasias que os homens criam usando-o como justificativa para manipular o ser humano. 

Por conta de tradições religiosas podemos crescer acreditando que Deus é um pai bondoso que jamais permitirá que o mal chegue até nós. Numa barganha que só a razão humana poderia arquitetar, ele nos pouparia da dor e satisfaria nossos desejos em troca de orações, louvores e, quem sabe até de um dízimo. Em algum momento abrimos os olhos e percebemos que não há privilegiados e que o mundo está cheio de dor e de mal. E nos decepcionamos profundamente com Deus. É comum nos depararmos com alguém que, de repente, coloca em dúvida a existência de Deus por conta da morte de um ente querido, ou porque percebeu, num estalo, que há injustiça no mundo. É interessante observar que os insights, na maior parte das vezes, se dão quando a desgraça nos toca bem de perto. Decepcionados, passamos a combater Deus, porque nos sentimos traídos. Mas... pense bem: foi mesmo Deus que nos prometeu um mundo de maravilhas? 

Vamos partir do pressuposto de que Deus exista. Se Deus é uma ideia de supremo BEM incrustada na vida das pessoas ao redor do mundo todo e, portanto, quase unanimidade, é concebível que em nome dele se promova a segregação e o desacordo? 


Embora saibamos que o próprio conceito de Deus é criação do homem, podemos encontrar nele um sentido. Mas, é preciso ter em mente que tudo o que se fala a respeito de Deus é criação do homem. A fértil criatividade humana produziu uma variedade enorme de religiões, cada qual com suas particularidades, defendidas com unhas e dentes por seus adeptos. Decorrem daí as intrigas e disputas religiosas, os jogos de poder e o fundamentalismo, que não raro culminam em guerras. Você acha mesmo que Deus acharia bacana isso? Cada religião pode forjar todo tipo de desculpa para justificar o injustificável. O que é uma contradição inaceitável é que, em nome de Deus, seres humanos fiquem se futricando e se aborrecendo, tentando fazer valer suas próprias convicções. 

Há pouco tempo bati um longo papo com uma mãe de família que apanhara durante 24 anos de um marido desequilibrado. Essa mulher atravessara a vida desejando a separação para tentar, finalmente, ser feliz. Ela conseguiu. Assinou o divórcio como quem recebe uma carta de alforria. Mas, então, o pastor com quem costuma se orientar lhe disse com todas as letras que ela jamais poderia casar-se novamente, porque está escrito na Bíblia que uma mulher divorciada não tem direito a um novo casamento. Percebi nela uma enorme impotência para questionar tal condenação à infelicidade perpétua. Será mesmo que Deus condenaria alguém a viver uma vida apanhando e ainda lhe castigaria com a proibição de viver um novo amor? Afinal, Deus não gosta do amor? É concebível isso? 

Outro dia alguém postou no facebook uma publicação sobre uma súbita implicância das lésbicas com crucifixos em lugares públicos. Seguiu-se ali uma enxurrada de comentários em que se percebia o quanto de confusão existe sobre ser Católico ou Cristão, ser o Brasil um país laico, sobre serem as lésbicas atéias... enfim, uma bagunça. Mas, abstraindo-se as opiniões pessoais, o que restava ali era uma disputa pela posse da razão. E uma agressividade. Mesmo que às vezes velada, uma grande agressividade. Em nome de Deus. 

Lembrei então de um vídeo em que Drauzio Varella dizia, com muita serenidade, que era ateu desde sempre, e que respeitava todos os religiosos, mas percebia uma grande violência dos religiosos contra os ateus. Como se ateus não pudessem ser homens de bem. São equívocos gerados pelas religiões. 

Todas as vezes que questionei os que defendem a Bíblia como verdade absoluta, perguntando-lhes, afinal, quem escreveu a Bíblia, a resposta que tive foi que foram homens inspirados por Deus. Pois é... mesmo que se aceite que a inspiração veio de Deus, o recado foi passado através da razão humana. 

Quando comento com religiosos sobre a dificuldade que tenho em compreender os textos bíblicos a resposta também é recorrente: é preciso de orientação para entender a fundo as mensagens bíblicas. Pois é... digo eu, novamente. Essa orientação virá de quem? De homens que interpretaram a Bíblia e que me orientarão de acordo com suas próprias interpretações, que, na verdade, não são muito próprias, porque eles também tiveram uma orientação prévia. Ou seja: não escapamos da interpretação humana. 

É assim, graças a interpretações humanas, e pelo não questionamento dessas interpretações, que vemos mulheres agoniadas se sentindo culpadas por desejar viver um novo amor. É assim que vemos grupos imensos cantando louvores motivados pela crença de que Deus ficará feliz com isso. É assim que mulheres estupradas ainda precisam passar por verdadeira tortura psicológica para fazer um aborto. É assim que relacionamos prazeres carnais à culpa. E é assim que, em lugar de nos regozijarmos com uma vida plena, passamos a vida nos debatendo entre aquilo que de fato sentimos e aquilo que as religiões pregam. 

E é assim que concluo que as religiões apequenam Deus e promovem a segregação. E que grande parte dos que se revoltam contra Deus está, na verdade, revoltada contra as religiões. 

Minha sugestão é que, já que a ideia de Deus é algo tão forte e plausível para muitos, e inadmissível, mas ainda assim muito forte, para outros, tentemos pensar nisso sem a interferência das interpretações religiosas. 

Podemos olhar o mundo à nossa volta, rever todo o percurso da nossa vida, sentir o que vai dentro de nosso coração, ouvir nossas próprias respostas e concluir algo. Sabendo, de antemão, que somos livres para repensar Deus enquanto vivermos. 

Porque, se há um Deus e se é importante para você compreendê-lo, isso é trabalho seu. 

Isso é entre você e Deus. 


Escrito por Ana Lúcia Sorrentino
em 11/03/2012

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Emoção não tem idade, em qualquer época da vida podemos amar




Preconceitos em geral inibem as pessoas mais velhas e evitam que se apaixonem, namorem com o cônjuge ou encontrem um novo parceiro. Mas é ao atingir a maturidade, depois de muitas experiências, que o idoso domina as frustrações e melhor sabe aproveitar os momentos prazerosos. Idosos devem trabalhar, sair, viajar, dançar, namorar, se apaixonar, ter fantasias. Viver.



O amor, cedo ou tarde, é sempre o mesmo. O corpo pode mudar, mas não os sentimentos. Depois de muitas experiências e também de desilusões, a pessoa mais velha é capaz de amar com intensidade, mas sabendo lidar com as frustrações inerentes a qualquer relacionamento. Ao contrário dos jovens, torna-se menos exigente e sabe valorizar os bons momentos.

Existe um ditado que diz: “Se a juventude soubesse, e se a velhice pudesse”. Hoje, acho que a juventude ainda não sabe, porém a velhice pode. Cinquenta, sessenta ou setenta, até oitenta ou mais - tanto faz. Os exemplos estão por toda parte. Com uma vida saudável, somos iguais ou melhores depois da maturidade.

O terapeuta americano James Hillman (79), junguiano, escreveu em 1999 o livro A força do caráter e a poética de uma vida longa, no qual faz uma abordagem revolucionária sobre a terceira idade. No capítulo sobre o erotismo observa que, à medida que os poderes físicos decrescem, solta-se a imaginação que fica mais forte e extravagante.

Aceitamos com maior facilidade que um homem mais velho tenha vida sexual ativa; nossa reação costuma ser oposta quando se trata de mulher. Afinal, a tradição sugere que, após os sessenta anos, ela cuide dos netinhos ou tricote em casa. Nada contra tais atividades. Mas é perfeitamente possível ser uma avó amorosa, fazer trabalhos manuais (ou outros) e usufruir a presença do marido ou do companheiro, reservando momentos de intimidade para os dois. Viajar, sair para dançar, namorar, tudo está em aberto. Os que estão sem par, como Jack Nicholson e Diane Keaton no filme Alguém tem que Ceder, apaixonam-se com o mesmo entusiasmo que tinham aos vinte ou trinta anos.

No entanto, é comum pessoas mais velhas sentirem culpa por ter fantasias sexuais, ridículas por ainda pensarem em namoro, em encontrar alguém. Acham que precisam justificar-se. Mas homem e mulher necessitam do estímulo adequado e da presença de alguém que também sinta desejo. E, sem as fantasias e a imaginação, nem o Viagra funciona.

Atualmente vemos mães e pais de filhos adultos, casados ou sozinhos, que trabalham ou voltaram a estudar, como pessoas sem idade. No convívio com os mais jovens percebem que não são diferentes. Ao contrário, sua experiência de vida e entusiasmo ajuda a fazer amigos, e o prazer que sentem em participar de grupos de várias idades continua o mesmo. Não sentem necessidade de participar de grupos específicos, os chamados de terceira idade ou melhor idade.

Alguns, é verdade, têm de lutar contra a má vontade dos filhos, que prefeririam a mãe ou o pai em casa, ajudando com as crianças. Passam, então, a ter medo do ridículo. Falta-lhes coragem de viver um romance. Submetem-se: “Isso é coisa de jovem”. Posso garantir que não é terreno exclusivo da juventude. Sentimento não tem idade e é território da alma, que nunca envelhece.

Fomos criados com muitos preconceitos em relação à idade, principalmente as mulheres. “Não fica bem usar roupas coloridas”, ou “lugar de velho é em casa”, ouve-se. Ora, não devemos aceitar que outros determinem a nossa vida. Se quisermos ficar em casa, fazer tricô por prazer, é nosso direito. Mas ficar em casa sentindo-se só, à espera de que a vida passe para agradar aos outros, não faz sentido nenhum. Nossa imaginação continua livre. Podemos criar e concretizar nossos desejos. Na arte, no amor, na vida.

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), no poema Amor e seu Tempo, escreveu: “Amor é privilégio de maduros estendidos na mais estreita cama, que se torna a mais larga e mais relvosa, roçando, em cada poro, o céu do corpo”. E: “Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde”.

Escrito por Leniza Castello Branco