terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Inventando Moda

Janeiro é freqüentemente um mês de liquidações e a indústria da moda nos atiça a comprar, por um preço mais barato, peças da coleção passada que freqüentemente não precisamos. É também o mês da SPFW onde são lançadas as novas tendências e estilos.

Porque as mulheres estão sempre "inventando moda"??
Futilidade? Insegurança? Uma forma de criatividade???

Simmel escreveu "Filosofia da moda" e outros escritos, nos quais refletia sobre o papel da moda na vida da mulher daquela época. Para o autor, a moda de roupas e adornos era por um lado imitação de um modelo dado que satisfazia a necessidade de apoio social, conduzia o indivíduo ao trilho que todos percorrem, oferecendo assim o conforto do universal, e que faz do comportamento de cada indivíduo um simples exemplo. Por outro lado, a moda também satisfaz a necessidade de diferenciação para mudar e separar, através da mudança dos conteúdos, marcando individualmente a moda de ontem, de hoje e de amanhã.

Para Simmel, a moda era uma forma particular de vida que integrava a tendência tanto da igualização social quanto a da diversidade individual. Ele nos disse: "Se a moda expressa e acentua ao mesmo tempo o impulso para a igualização e para a individualização, o estímulo da imitação e o da distinção, isso explica talvez porque as mulheres aderem em geral à moda com particular exuberância. Com efeito, a debilidade da posição social a que as mulheres estiveram condenadas durante a maior parte da história, gera nelas uma estreita relação com tudo o que é "costume", com aquilo "que fica bem", com a forma de vida geralmente aceita e reconhecida.

Os ditames da moda ofereciam um costume, uma norma, solo firme, aliviando a mulher frente a sua responsabilidade, pelo seu gosto e seu fazer, podendo se apoiar imitando os padrões da moda, e por outro lado, lhe fornecia uma caracterização, um realce da sua personalidade.

A vestimenta é a assinatura de uma cultura numa época dada e revela tanto aspectos da personalidade individual das pessoas como também da sociedade como um todo. A escolha da roupa expressa uma forma de existir e de se revelar ao outro.

O caráter transitório da moda é um traço muito interessante em si no qual se inscrevem códigos interessantes de serem decifrados. A possibilidade de variar, mudar e experimentar novas tendências satisfaz uma necessidade de se reinventar e recriar.

A roupa é mais do que uma mera aparência, constitui a assinatura de uma cultura; é uma forma, não somente de representação, mas de comunicação entre as pessoas, que através de suas escolhas revelam aquilo que pensam, sentem, dizem ou contradizem verbalmente.

Talvez isso explique o porquê de num janeiro quente de verão as mulheres do dia de hoje ainda se preocupam em saber quais serão as tendências do próximo inverno, as últimas novidades do SPFW.


Por Sônia Laitano

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MULHERES LEITORAS: História-Convite


Entre o surgimento e o acolhimento do gênero do romance pela sociedade burguesa do mundo ocidental, ou seja, fins do século XVIII e o decorrer do XIX, as mulheres se destacam por cultivar o gosto pela leitura. Elas rapidamente inserem a leitura entre ou após os seus afazeres domésticos e no caso de algumas, entre os afazeres profissionais.


No Brasil, a Família Real chegou em 1808 e somente com a sua permissão ocorre o desenvolvimento da imprensa. Surgem então os primeiros jornais a circular nas cidades como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. O pesquisador e professor da USP, Ivan Teixeira, em seu livro genial intitulado O altar e o trono dedica um capítulo inteiro esmiuçando os requintes que o jornal “A estação” estabelece na sua relação com as mulheres letradas. “A estação” foi publicado no Rio de Janeiro a partir de 1881 e dedicou uma seção à Literatura Brasileira, publicando assim, obras de Machado de Assis como “O Alienista”, a novela “Casa Velha”, o romance “Quincas Borba” e mais de trinta contos. A tradução de “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, foi editada pela primeira vez também nesse jornal.

Machado de Assis colaborou dezenove anos em “A Estação” (1879/1898). Esse jornal foi fundado por Henri Gustave Lombaerts sob o nome “La Saison – Jornal de Modas Parisienses”. Abaixo do título, na primeira página informa: “Dedicado às senhoras brasileiras”. Após oito anos de traduções de matérias alemãs e francesas, o jornal assume uma parte literária redigida no Brasil em 1879! Foi quando adotou o nome “A Estação”.

A familia Lombaerts imigrou da Bélgica e implantou no Rio de Janeiro uma tipografia e encadernadora. Depois montaram a maior litografia do Brasil no Segundo Reinado. Foi quando fundaram essa publicação cuja identidade baseia-se nas artes visuais e na literatura. Para manter o periódico, os donos apresentavam uma grande variedade de anúncios, como remédios, roupa, produtos de beleza e instrumentos musicais – em lojas brasileiras e francesas. Outra seção do jornal é a “Chronica da Moda” que fala sobre tecidos, roupas e chapéus, com ênfase sobre o tema do comportamento, da formação da pessoa e do convívio familiar. O jornal promove a elegância e a informação. Diz o jornal que: a leitora deveria ser elegante sem ser néscia ou antipática. E ainda enfatiza que a graça exterior depende da projeção de um espírito forte e fundado em noções de ética e de boa formação cultural. (grifo meu)

Machado de Assis instrui as leitoras e as diverte com suas ironias e denúncias contra as presumíveis imperfeições da classe dominante – denúncias e ironias que a própria elite imperial também admirava. Durante saborosa análise sobre a forma e conteúdo desse periódico, Teixeira aponta que um dos componentes importantes desse projeto foi a incorporação da mulher aos quadros de percepção crítica da vida, convertendo-se em leitora ativa e culta, participante dos debates vivenciados pelo Segundo Reinado. De que maneira? Segundo inúmeros artigos, combatendo o luxo e o dinheiro como fator exclusivo de elegância, promovendo a idéia de sobriedade e de combinação pessoal como origem de bom gosto e de modernidade. E claro, toda essa concepção se une à literatura de Machado de Assis, que então se impunha como o mais agudo escritor do Brasil.

Nesse momento temos o arremate final entre os conselhos dados às mulheres e à literatura de Machado de Assis em “O Alienista”. Partilhando da visão do jornal, o narrador de “O Alienista” defenderá igualmente o equilíbrio no uso do idioma enquanto aponta que a perda de comedimento será entendida como loucura ou desvio reprovável de comportamento. Incrível isso! Um prato cheio para os psicólogos, não é mesmo?

Depreende-se daí que Ideologia, Política e Cultura sempre caminharam juntas nesse país... Duas décadas mais tarde, Monteiro Lobato compra a Revista do Brasil e percebe que há um público leitor ávido por consumir leitura. E antenado com seu tempo abre uma editora e publica como nunca, livros com tiragens nunca antes imaginadas.

Lobato une seu trabalho de jornalista de “O Estado de São Paulo” em fins dos anos 10 com o de escritor de “Urupês”, um sucesso absoluto de público e crítica. Talvez devido ao sucesso prematuro enquanto escritor para adultos ou já prevendo um novo desafio pela frente, ele resolve dedicar sua escrita ao seu projeto de formar leitores pensantes: surge o sítio do Pica-pau Amarelo. Lá, ele cria uma república feminista com Dona Benta detentora de conhecimentos nas áreas de Política, Economia e Filosofia, conhecimentos esses de interesse majoritariamente masculino. Dona desses conhecimentos ela opina sobre o Petróleo, o Ferro e os desatinos da guerra. Até critica os coronéis, donos do café paulistano... Ele cria ainda a boneca Emília, um ser bonecal que vira gente depois; curioso e inconformado com qualquer tipo de conhecimento ou realidade imutável, a ponto de mudar a ordem da natureza. Cria Narizinho que ouve histórias, vivencia aventuras e sempre absorve bem o mundo ao redor e para completar põe a Tia Nastácia nesse lugar mágico, que além de fazer bolinhos de chuva que agradam paladares, os mais exigentes como o de São Jorge e do Minotauro, é um baú de histórias e conhecimento popular. Como Lobato manteve intensa e extensa correspondência com seus leitores vida afora, a ponto de inseri-los como personagens em seus livros, eu arrisco dizer que ele sabia que grande gama de leitores seus pertencia ao universo feminino. Nisso ele esteve à frente junto à Machado de Assis e Aluísio de Azevedo (que incentivou, em “A Estação”, o estudo da medicina exercido por mulheres).

Aí tomamos o pó de pirlimpimpim e por volta de oitenta anos depois, eu ouço o escritor africano Agualusa, em entrevista à Marília Gabriela, afirmar que seu público maior é composto por mulheres! E ainda contou que seu público leitor, na grande maioria, é de leitoras de fora de seu país de origem. As mulheres hoje trabalham fora de casa, dentro de casa, acham tempo para tanta coisa como ler e viajar. O papel da mulher mudou tanto através das décadas e ela continua sendo o motor e a razão da existência da vida literária. Afinal, vale a pena pensarmos no papel da ficção em nossas vidas e a literatura está aí para confirmar essa importância. Portanto, por essas e outras razões que ainda desconheço, mas que me serão reveladas ao longo desse blog-percurso, que surgiu essa proposta sobre “Mulheres leitoras”.

Contamos com sua leitura, palpite, crítica e tal, certo leitora?